Sendo sucinto: nunca antes dessa São Silvestre (SS) tinha visto em um evento de corrida tamanho número de corredores-bandidos, os Pipocas. Aliás, esse nome bonitinho de Pipoca nada mais é do que um jeitinho bem brasileiro de “passar pano” em infrator, temos receio de dizer que um crime tem um infrator. Porém, houve consequências! Faltou água a muitos dos mais lentos.
Correr como bandido é tão errado quanto ir a um concerto de rock pulando o muro porque ele era muito caro ou estava esgotado. É como roubar a cerveja de uma mesa em um bar porque você queria.
Corridas gratuitas e baratas existem e os parques são públicos. Porém, espaço público não significa necessariamente “de todos ou para todos”. Tente você fazer um churrasco no quintal do Palácio do Governador. Ou então andar de carro em Interlagos no dia da Fórmula-1. Há regras para tudo.
Não quero aqui convencer um corredor-bandido a não mais pipocar, até porque quando você quer passar por cima da lei, você cria o seu próprio raciosímio. Quero apenas explicar o que Yescom e veículos de corrida precisam fazer.
O que o Metrô e o Trem em SP nos ensinam sobre os Corredores-Bandidos
A cidade de SP tem um dos metrôs mais limpos do mundo. As linhas Amarela, Verde e a Azul são, além disso, civilizadas. Já a linha Vermelha é limpa, mas não é civilizada. Os trens de SP não são limpos nem civilizados. Mas todos, sem exceção, estão debaixo de um mesmo guarda-chuva: as leis estaduais. Como isso é possível?
Há duas teorias sobre o porquê infringimos as leis. Há uma, a mais popular, que diz que é uma questão de pesar custo e benefício. Seria, ainda, uma questão de “a oportunidade fazer o ladrão”. Se compensa e há pouca chance de ser pego e pagar por isso, você rouba, do contrário não. Roubar um banco dá muito dinheiro, mas você pode ser preso. Você pesa os 2. Alguns poucos toparão, a maioria de nós não. Dirigir bêbado pode matar, mas ninguém é preso. A maioria não fará isso, mas muitos de nós irá dirigir embriagado, porque não há punição que não seja a própria consciência. Mas muitos de nós não irá dirigir bêbado por outra razão: a pressão social.
Pressão Social como combate ao Corredor-Bandido
A teoria de custo e benefício para uma irregularidade é mais do que incompleta, ela tem inúmeros furos. Ela é explicada brilhantemente em A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade por Dan Ariely.
O porquê somos honestos (ou não) tem a ver também com o que fazem aqueles à nossa volta. Todos sabemos ser errado derrubar lixo no chão do Metrô. Ou do Trem. Mas na Linha Amarela ninguém joga lixo no chão. Também por conformismo e por pressão social, procuramos uma lixeira. Por ser normal a sujeira dos trens, jogamos lixo e acotovelamos assim que saímos da Estação Pinheiros (Amarela) para fazer a baldeação para pegar um trem. O errado em um (Amarela), passa a ser o padrão em outro (Trem), ainda que as regras sejam as mesmas. Há aceitação social de que é permitido sujar e empurrar no Trem. Mas você se sente mal fazendo isso no Metrô.
Sabendo disso, a Yescom e outras organizadoras em seus eventos precisam fazer algumas coisas essenciais. Vamos a elas:
O Chaveiro e os Corredores-Bandidos se encontram
Se você já chamou um chaveiro, você deve ter se impressionado com a facilidade com a qual ele abre a porta trancada. Um cadeado é fácil de ser violado, mas ele afasta 99% das pessoas, até mesmo aqueles que roubariam por uma questão de oportunidade. Porém, há o 1% que irá tentar roubar ainda que você use 5 trancas. A Yescom (e as outras organizadoras, lembrem-se) tem que inibir os 99% e caçar o 1%. Como?
Existem neste quesito 4 tipos de Corredores:
- O corredor que não é bandido;
- O que não sabe que é errado ser bandido;
- O bandido por oportunidade;
- O bandido por essência.
Como criar cadeados de corrida que inibam os 99%.
Esqueça o corredor 1! Ele sabe o que é errado. Mas o 2 precisa ser educado!
Acreditem, eles existem aos montes! Falo por mim, na minha vida corri 4 ou 5 provas como bandido porque não sabia que era errado. Deixei a minha vontade de fazer a prova suplantar o meu não-direito de estar lá. A corrida é um dos esportes com maior entrada de novos praticantes. As pessoas passam a correr sem saber regras básicas e mínimas desse esporte! Assim como treinadores e revistas educam o beabá, precisam ensinar que correr como bandido não é correto!
Não há hoje nenhum movimento de assessorias, veículos, revistas, portais, patrocinadores e organizadoras em educar o corredor. Isto precisa mudar!
Os “cadeados” para estes bandidos e para o do tipo 3 (o bandido por oportunidade) são de 2 tipos. O primeiro é que o corredor precisa sentir que correr inscrito é vantajoso para ele! O corredor precisa ter a impressão de que ele perde quando é bandido. Há várias formas de isso ser feito. As empresas precisam:
– Dificultar o acesso à saída. Os 10km Tribuna em Santos por exemplo cerca a largada e a chegada da prova. Nada é pior do que você correr menos do que a distância. Grades nas ruas que dão acesso à SS. Esta pode parecer uma solução inútil, mas lembre-se da questão da oportunidade. O cachorro vira-lata entra na igreja quando vê a porta aberta, mas uma barreira física, por menor que seja, inibe até o ser humano. A pessoa pode não achar errado correr uma prova aberta, mas achará errado ter que pular uma grade para fazer isso.
– Dificultar o acesso à chegada. Novamente, não é inútil. Retirar as pessoas bem antes da Avenida Paulista, ainda na Avenida Brigadeiro Luís Antônio tira a percepção de valor porque correr a distância completa e na Paulista são 2 dos maiores charmes do evento.
– Kit na chegada: o corredor se impressiona com kit “gordo”. Seja uma toalha ou viseira ou qualquer badulaque na chegada, dá ao corredor-bandido a impressão que ele perde.
A pressão social como cadeado ao Corredor-Bandido
Um dos argumentos mais prejudiciais do corredor devidamente inscrito é o de achar normal, não se incomodar. É como achar OK uma pessoa jogar lixo no chão do Metrô. Há um ponto da virada onde vários sujando, tornarão o Metrô da Paulista mais sujo que um trem indiano, ficaremos mais parecidos com o sujo Metrô de NY. A pressão tem que vir da enorme maioria.
Se achamos errado o corredor-bandido em uma prova beneficente, há como tirar 2 benefícios nesse sentido. Se as organizadoras reverterem parte da inscrição a uma ONG séria, famosa e completamente desassociada da empresa, isso cria uma pressão social.
Exemplo: se fica BEM claro que R$5 ou R$10 vão para uma causa de apelo social, há uma pressão de todos os lados, do inscrito e do não-inscrito que não estará roubando apenas da Yescom ou inscritos, mas também de alguém com menos condições. Isso comprovadamente funciona!
Outro argumento muito usado pelo corredor-bandido é que há pessoas que não têm condições econômicas de arcar com a inscrição. A Yescom, como todas as demais organizadoras, deveriam por obrigação moral e social oferecer vagas a pessoas carentes. Algumas já fazem, não sei se a Yescom faz. Isso cria um apoio e pressão social em favor da empresa. Mas quem argumenta que a pessoa vai sem inscrição por causa do dinheiro revela algo muito grave: correlaciona a má conduta ao nível sócio-econômico do corredor. Isso não é só ignorância no tema, mas um preconceito asqueroso.
A responsabilidade da Yescom e organizadoras
Que ninguém me acuse de aqui inocentar a Yescom. Ela tem culpa no cartório! MUITA! Mas há também cúmplices e testemunhas oculares que pouco fazem. O problema dos corredores-bandidos na SS (ou na Volta da Pampulha ou Meia Internacional do Rio de Janeiro) só irá voltar a níveis aceitáveis quando houver vontade de quem organiza o evento. Inclusive os patrocinadores.
Os patrocinadores como incentivadores
Na transmissão da Globo parece que o narrador disse que não importa se inscrito ou não, o importante é participar. Não são únicos nesse comportamento bizarro. Todas as organizadoras e patrocinadoras, todos, sem exceção, mentem inflando números. Para TODAS as empresas, patrocinadores e fabricantes de tênis, SEM EXCEÇÃO, um número gordo é mais importante do que a satisfação de quem corre. Repito: sem exceção. Não escapa ninguém.
É um tiro no pé porque parecem querer agradar a quem não foi correr! Isso TEM que mudar.
Resumindo, o problema dos corredores-bandidos só vai melhorar quando:
– Houver “cadeados”;
Dificultar o acesso na largada e chegada…
– Valorizar a percepção de valor da prova também no dia;
Dificultar completar a distância, oferecer mimo (toalha, viseira…)…
– Criar pressão social
Educar o corredor (antes, durante e depois da prova), fazer parceria com alguma ONG…
– Organizadoras, Veículos especializados e Treinadores fizerem sua parte.
Organizadoras e patrocinadores precisam priorizar quem paga, não quem assiste. Mentir nos números é sinal claro de quem é importante para eles. Veículos e Treinadores precisam educar os corredores!
– Os inscritos fizerem sua parte
NÃO ao discurso do ódio! Porém, tolerar 100% o corredor-bandido é jogar contra.
A Suíça e o Corredor-Bandido
Não há solução 100% eficaz, existem ladrões suíços e na Suíça, mas ainda assim há combate e esperança de zerar infrações. Há de se reduzir os corredores-bandidos. Havia nesta SS 18 copos por corredor! DEZOITO. Foram roubados cerca de 100.000 copos de água. Eu não quero convencer o corredor-bandido por essência porque este é incorrigível. Lembre-se, há gente que não tem correção, ele entortará a lógica para se fazer certo. Mas podemos e devemos fazer o trabalho dele mais difícil e deixar claro que ele não é nunca bem-vindo.
Há solução! A Yescom tem boa parte da culpa. Mas tem também a solução que não pode vir sozinha. Vamos ver se Yescom, concorrentes, patrocinadoras, fabricantes de calçados e muitas pessoas honestas realmente querem o fim dos corredores-pipocas.
Por enquanto nem todos querem. Infelizmente.