Ontem estive na SP City Marathon que, confirmado seu sucesso, passará a ser a segunda maior maratona do Brasil. Não é pouco para uma prova sem TV nem total apoio da administração! “Em off” descobri também que já no ano que vem a Iguana Sports irá oferecer medalhas Top 100 para homens e agora também mulheres (que recebiam 30 até então). Sei que estou ficando velho quando vejo minha enorme preguiça de saber que oferecer medalha Top 100 às mulheres virou textões. No plural.
Isso é sinal que os tempos, ao contrário do que dizem, estão BEM menos sombrios. Antes mulheres tinham necessidades mais urgentes e essenciais, sinal claro de nossa evolução como sociedade. Mas talvez seja necessário explicar melhor.
Essa história de medalha top-não-sei-o-quê veio com mais força em 2011 na finada e repaginada Golden Four ASICS. Apenas (e minha memória pode me trair) em 2014 ela virou Top 100 para homens e Top 20 para mulheres. Por quê 20 e não 30 ou 50 ou 100? Vários motivos:
- Números redondos são maluquices da cabeça de corredor;
- Mulheres eram à época apenas 20% das concluintes. Não fazia sentido distribuir um número iguais de medalhas porque…
- A ideia era despertar desejo;
- Por fim, custo.
Uma das críticas é que Top 20 (ou 30) não é proporcional à participação feminina. Bobagem. Quem quer só reclamar reclama. Qualquer que fosse o número, mesmo que fosse estendido à terceira casa depois da vírgula, resultaria em reclamação, afinal, a participação feminina flutua evento a evento. Havia a necessidade de o número ser arbitrário.
Enfim, foi 20 porque o intuito sempre foi despertar desejo. É e foi assim em todas essas provas.
Por fim, o custo.
Algumas pessoas vão dizer que sim, mas afirmo com segurança uma frase cunhada por um Nobel em Economia: não existe almoço grátis.
Medalhas banhadas à ouro têm um custo que tenho certeza que nenhum corredor amador imagina qual seja. Quando alguém vem e diz que é injusto e fruto de machismo “por um valor tão baixo” não premiar 100 mulheres, se a pessoa for REALMENTE honesta, tem a obrigação moral de arcar com o valor. Ao não fazer isso, não pagar, você não defende um princípio de igualdade, você apenas endossa e aceita um princípio (machismo) que diz condenar. Você combate o machismo independentemente dos demais e das demais instituições.
Falo isso porque, sim, houve a acusação GRAVE de chamar ou sugerir machismo a um evento que não premia 100 mulheres. Se eu abro o perfil da pessoa que faz essa argumentação e a acuso de racista porque ela não tem muitas fotos com negros, essa é uma acusação grave e rasa. Se eu vou no perfil de outra e a acuso de homofóbica, esta é uma acusação grave, muito grave. Por que sugerir machismo quando há menos medalhas para mulheres?
Porque talvez nem todos entendam direito o esporte.
Homens e mulheres não são iguais. Ponto. Mas devem, SIM, ser tratados iguais. Devem. E são. Recebem medalhas e prêmios iguais. Mas há nuances que o esporte tolera. Por quê? Porque o esporte se pauta, entre outras coisas, em firmar regras para buscar de forma justa aceitar a inaceitável e inegável diferença.
No atletismo homens e mulheres lançam e arremessam implementos de pesos bem diferentes (cerca de 100% de diferença), correm com barreiras de alturas distintas . Essa é uma forma encontrada para:
- Aumentar a intensidade do esporte, aumentando nosso interesse;
- Evitar comparações que inevitavelmente desvalorizariam as mulheres, naturalmente mais fracas que homens.
Tempinho atrás esses “defensores do esporte igualitário” fizeram seu estrago nos EUA. Nas categorias menores os meninos corriam provas de 3 milhas e mulheres de 2 milhas. Qual era a reivindicação? Que os adolescentes corressem todos a mesma distância. O que os tolos não sabiam é que a intensidade do esforço era a mesma, visto que meninos e meninas corriam quase no mesmo tempo. Ao igualarem a distância, elas fizeram as garotas correrem agora por mais tempo, em menor intensidade, sendo diretamente comparadas com meninos (perdendo a disputa) e despertando menor interesse (o ser humano tem prazer em descobrir quem é o melhor, sem se importar se ele é cromossomo XX ou XY).
Agora imagine o cenário hipotético, que as crianças disputassem a prova por tempo. Garotos em provas de 10 minutos e meninas em provas de 13 minutos. Os organizadores seriam acusados de machistas por exporem garotas a um maior tempo de esforço. Faz sentido? Não, não faz.
As regras em várias modalidades esportivas “facilitam” as regras femininas (o termo correto seria “adaptam”) para gerar interesse, desejo, aumentando a intensidade.
2019 nem chegou e a organização já espera reclamação de corredoras que irão reclamar da facilidade. Isso porque quem briga pelo direito das mulheres nem está envolvido! Eles têm zero skin in the game! Nos 3 anos que trabalhei com o Top 100 exclusivo presenciei inúmeras mulheres que queriam ser top 100 porque ela não era exclusiva aos homens. ESSE era o desejo. Isso também foi tirado (ainda que a um bem maior, utilitarista, o “greater good”).
Pois vejamos…
A diferença média do desempenho entre homens e mulheres no atletismo é da ordem de 11%. A diferença entre o homem Top 100 e a Mulher Top 30 nas 3 últimas edições das City Run (Rio, SP e DF) é de 12,8%. Sabe qual a diferença entre os mesmos homens e a Mulher Top 100? 22,6%!
Na ânsia por serem visionários, justiceiros, justos, feministas, na base da marretada tiram um dos motivadores no esporte: o desejo que a escassez gera. Pior: vindo de pessoas que NÃO são prejudicadas nem estão envolvidas nas atuais regras!
E por que alguns fazem isso? Para explicar destaco um daqueles textos que não canso de reler.
Seria legal, seria interessante ver o pessoal parar de tentar ser inteligente. Sério: esse negócio de ficar pensando muito profundo deixa ruga em vocês. Além disso, causa uma certa sensação de que você é um gênio: “nossa eu sou perspicaz pra caralho, eu enxergo além do que as pessoas comuns enxergam“. Não enxerga, não, meu filho; você é normalzinho como nós também. 99% das análises muito aprofundadas na internet vêm dessa doença de achar que você é capaz de fazer uma análise mais profunda que a patuleia. Quando você fica mexendo com o intelecto e achando que foi premiado, você esquece de OLHAR PRO MUNDO. É daí que vem tudo que é tipo de escrotidão, porém a escrotidão das mais perversas (que são as escrotidões cientes de si). Por exemplo: “tem que ver o que está ‘por trás’ da prisão do Cunha” e começa toda uma análise crítica do porquê teriam prendido o Cunha, sendo que a resposta está bem ali à vista, explicada, mostrada, basta abrir os olhos e parar de achar que teu cérebro vai desvelar o que ninguém desvela. Porque não há sustentação teórica que se sobreponha à realidade concreta. Essa é a diferença entre uma pessoa “ANALISAR” a realidade e uma pessoa ENXERGAR a realidade. Toda análise vem EM DETRIMENTO da realidade que está ali, ela é dada, como um presente. Mas que você se nega a ver porque ela é acessível a todos e você não quer ser todos. Você quer ser o cara que “vê além“. Isso é uma doença. Sem contar que é chato pra caralho. Pensa assim: a vida real é como você ali esperando pra atravessar a rua. Tem o sinal vermelho e o sinal verde. Você olha o sinal verde e ele SIGNIFICA que você pode atravessar; você olha o sinal vermelho e ele SIGNIFICA que você não pode atravessar. Você não precisa parar e pensar “nossa, mas será que o verde realmente quer dizer o que ele quer dizer?”, “será que o sinal vermelho não é alguém que está querend…” – e o sinal fechou de novo. O resumo de tudo é que não há significado FORA da realidade. Tentando achar algo assim ou você é atropelado ou não atravessa a rua nunca.
Enfim, se dar mais medalhas às mulheres não tira o direito dos demais homens, outro argumento que traz em si uma acusação grave de machismo, afirmo que deixar de dá-las também não mexe com o direito de ninguém!
A coisa está melhorando para as mulheres corredoras, e isso é ÓTIMO. Mas tentar na marretada acelerar essa mudança naquilo que VOCÊ acha melhor, pode ser um belo tiro pela culatra.
Vamos todos correr mais e fazer textão de menos!
p.s.1: quem teve uma saída com estilo foi a New Balance que em sua prova de 15km distribuiu 15 medalhas para cada sexo.
p.s.2: a alternativa mais fácil à organizadora é tirar TODAS as medalhas Top. O desgaste (e o custo) é menor. Quando isso acontecer, os defensores do “medalhas Top banhadas a ouro a TODOS os corredores” não estarão aqui para serem responsabilizados.