Um texto de chamada forte chamou minha atenção: demonstração de extremo atleticismo é a nova crise de meia-idade. O texto me chega uma semana depois de outro rodar o mundinho na corrida com o autor falando de uma doença gravíssima e muito séria: pessoas estão colocando Ironman e Maratona no currículo profissional. Como corredor, tenho medo de pegar uma doença tão grave.
Eu sempre tento ser cuidadoso quando toco nesse assunto porque parece haver não juízo de valor, mas se as pessoas poderiam ou não fazer o que elas fazem. Elas podem! Sempre! Não se discute isso! Porém, uma coisa que o texto original nos traz é uma questão de fato (não de opinião): o público de maratonas, ultras e triatlos de longa distância são pessoas de 40 a 49 anos, de renda e escolaridade acima da média. É coisa de adulto, que paga as contas e que tem dinheiro para comprar um de nossos bens mais valiosos, o tempo. Ou tente convencer uma dona de casa de baixa renda que ela pode deixar de fazer afazeres doméstico para fazer longão em ritmo de amador. Ela vai achar que você é louco.
Tenho muita experiência com esporte universitário e afirmo: é muito difícil fazer jovens correrem. Eles já (ou ainda) têm saúde, não chegaram à crise de meia-idade que os obriga a pedir biscoito (o “parabéns” nas redes sociais). Isso porque a garota tem a jovialidade ao seu lado que lhe garante elogios sem fazer muita força. Já o cara tem esportes mais legais que a corrida para ir conquistar o mesmo destaque. Veja bem, correr é chato, monótono, aborrecido e agride demais nosso corpo (triatlo é 3 vezes isso, só que agride bem menos). Um cara que joga handebol ou basquete bem, por exemplo, pode praticar algo que lhe dá enorme satisfação sem exigir desconforto 90% do tempo, como faz a corrida. Corrida é esporte de gente velha, sem talento para outras coisas. Aceite que dói menos.

Correr/triatlo é ainda coisa de gente velha que investe nesses eventos buscando algo em troca. Seja a saúde (que vai se esvaecendo com o tempo, essa entidade invencível e inexorável), seja reconhecimento. Que ninguém se ofenda, pois eu escrevo. Quem diz escrever não se preocupando em ser lido está claramente mentindo. Nunca acredite em artista que diz fazer apenas por amor (*aqui um adendo, nunca, jamais acredite em um ator em qualquer assunto). Isso é bobagem. Ele poderia ficar cantando no chuveiro ou interpretando somente ao cachorro dele. Ele quer público. Se não quer ser lido, não use a internet, tenha um diário de papel. Se está nas redes sociais sabemos o motivo. E sem modéstia, que nada mais é que a vaidade esperando aplauso.
Quer exemplo maior do que o que aconteceu semana passada com falsos perfil da adidas e da Nike enganando centenas de milhares de pessoas? Como diz um grandessíssimo amigo, o fingimento é o mal do século e de nossa sociedade.
Esses falsos perfis eram toscos demais e, ainda assim, quando fui dormir um deles tinha 4.000 seguidores e no dia seguinte eram mais de 100.000, reforçando a mim que velho e internet não combinam porque eles não podem ver uma vergonha que correm lá para ir passar. Porém, eu toquei no assunto fingimento porque a pessoa que corre por correr, ela já se completa. Ela não precisa exteriorizar um significado (você correria uma maratona se não pudesse contar a absolutamente ninguém?). Mas há uma insistência na ideia de que a corrida te faz melhor. Mentira enorme. O que esse golpe nos mostrou foi que dentro de cada corredor parece haver um wannabe (gíria do inglês quero ser) que finge correr de graça.
O que me assusta na época de BBB é quantas pessoas desejam ser famosas por… serem famosas. Isso é uma fama que obviamente não se sustenta por si só (a menos que você seja um/uma jovem sexy, daí dura até os 30 anos). Os famosos longevos o são em função de algo que faz bem, profissionalmente. E pudemos nesses falsos perfis observar na vida real como as pessoas querem ser famosas, influenciadores pela sua corrida amadora. Ela é a escrita aplicada ao mundo da corrida. O corredor/triatleta amador tem um enorme desejo de ver sua história ser contada, ser lida, a ponto de ficar fazendo isso por horas seguidas bem lento para que alguém mais o veja. É ISSO que o completa. O amador parece correr somente e somente se puder ou tiver sua história contada.
E nisso parece haver um significado de completar algo que lhe falta. O texto, e aqui eu discordo completamente dele, fala que treinamos para poder nos garantir de modo mais saudável anos à frente. O que o caso dos CVs com a marca do IM ou o desespero de ver sua história de amador ser contada por alguém que nem apresentou suas credenciais em troca de uns equipamentos, me dão a certeza que o esporte de ultra/longa duração sendo intrinsicamente tão chatos (e POUCO desafiadores), só encontra terreno fértil porque é um jeito de adultos termos nossa vida contada e vista pelos demais. Sem nos darmos conta, reforço, completa algo (seja saúde, talento, auto-estima, significado…) que falta em cada um. Os 15 minutos de fama prometidos parece vir à custa de muitos e muitos quilômetros.