Semana passada uma pesquisa veio falar algo que nenhum corredor gostaria de ouvir: corrida em excesso faz mal. O problema na verdade não é a afirmação, mas os cálculos terem estabelecidos que o volume na qual ela passa a ser prejudicial é baixo para os padrões: 4 horas semanais. Para quem corre “muito”, a corrida seria então igual ou pior que o sedentarismo.
Não demorou para quem batesse feio nos autores e estudo, e já falo sobre isso. Mas antes vale salientar que, como lembrou o pesquisador Alexandre Lopes com quem conversei, eles acompanharam mais de 5.000 pessoas por mais de 10 anos e publicaram em uma revista com alta credibilidade (fator >15). Na pressa de tirar o crédito da pesquisa, muitos estão correndo o risco de jogar a água do balde tacando junto fora o bebê que estava dentro.

Nem tudo em excesso mata… Chandelle, por exemplo…
Antes de tudo temos que admitir que a reação aos resultados era mais do que esperada e natural. Primeiro porque vivemos em uma sociedade que faz atividade física de menos, nada mais natural que esperneassem quando vem alguém dizer que essa falta de movimento tão combatida talvez tenha grandes vantagens. Normal, pois, que órgãos públicos engrossem a voz.
Quando postei aqui sobre o estudo, apostei que a Runner´s World muito rapidamente se manifestaria. Lembre-se: a corrida é o commodity de muita gente, não espere nada diferente. Farão até malabarismo lógico para sempre “provar” que seu principal produto é seguro e só tem vantagens.
Sou enorme fã do Alex Hutchinson (e recomendo fortemente a leitura de seu ataque contra o estudo), mas assim como ele diz que “apertar os números” prova qualquer ponto, tirar o crédito por um volume baixo de indivíduos como ele fez não deixa de ser recurso similar.
Para reforçar meu argumento deixo outra questão: o mesmo apreço pelos números e pesquisas a favor da corrida nunca foram matéria na revista para falar mal de tênis. As marcas esportivas são algumas das maiores anunciantes da revista. Como o compromisso dela é sempre em 1º lugar com o anunciante e em 2º com o produto que eles dois vendem (corrida), eu não espero nada de diferente de uma revista. Ela fará o contorcionismo quando preciso e se silenciará quando for conveniente.
Muitos corredores acham que a corrida faz de nós pessoas melhores, mais disciplinadas e tudo que seja bom. Como então alguém se atreve a vir dizer que ela pode ser pior do que não fazer nada? Tem um quê de puritanismo de só conseguir ver vantagens em algo que combate um pecado capital (preguiça). Como corredores somos muito bons para isso ser verdade ou então a corrida ter falhas. Num ato que a psicologia explica, buscamos sempre motivos para nossas escolhas, e o fato de ser saudável é um dos grandes pilares do esporte. Quando alguém questiona isso, não demora pra quem saia avisando que vai correr mesmo assim.
Lembre-se: todos temos argumentos para justificar nossas escolhas, você não precisa vir dizer os seus. Você precisa apenas convencer a si mesmo, já é o suficiente. Bater o pé contra o estudo é só uma das maneiras de justificar o que você fará. Aliás, quem o faz tão somente pela saúde e não por prazer, não deve fazer por mais do que 4 horas semanais.
Bom, você deve achar que eu agora só vou correr até 4 horas por semana. Não! Vou continuar correndo mais do que isso porque não corro por saúde. Minha bronca e crítica não é com a pressa de quem parece querer ganhar o debate, mas como e porquê. As limitações do estudo são enormes. Para mim, ele ser observacional e não intervencional é sua maior limitação. Segundo o Alê Lopes, ter feito assim “é a melhor forma de ver o fluxo natural das coisas acontecerem, esse tipo de delineamento é perfeito para se verificar causa e efeito sem alterar a rotina das pessoas“. E é essa minha discordância dele.
Para a corrida ser vista como um remédio e não estilo de vida, ela teria que ser como um fármaco introduzido na vida das pessoas, elas querendo ou não. Se eu fosse obrigado a jogar vôlei de praia 3 vezes por semana, esse negócio aborrecido que alguns ainda insistem chamar de esporte, ainda que tivesse as mesmíssimas características fisiológicas, não traria os mesmos benefícios que o mesmo volume correndo. Isso porque correr traz todo um pacote inerente a ela! Como disse o Luís Oliveira, a quem adoro escutar, feito dessa maneira se “desconsidera um aspecto FUNDAMENTAL, o impacto da motivação (de se fazer algo escolhido não imposto) no estilo de vida, ser ativo fisicamente tem benefícios físicos, emocionais e sociais que vão MUITO além de viver mais ou menos anos”.
ESSE é o ponto do fraco do estudo. São tantas, mas tantas as variáveis que a adoção da corrida no estilo de vida causa, que é quase impossível quantificarmos um número exato de quanto dela passa a ser prejudicial. E aí entra minha segunda bronca. Árvores não crescem até o céu. Os benefícios da corrida são inúmeros, mas nem quem tem a corrida como mercadoria pode ignorar que seja salutar tanta informação sendo gerada. Meu chute é que seja perigosa em um volume muito maior do que esse divulgado. Só acho que temos que ir um pouco mais devagar quando alguém emite esse tipo de opinião. Eu do meu lado fico com o meu chute da certeza de que existiria um excesso. Parto da lógica de que se até Danette e sorvete de flocos fazem mal em excesso, o que dizer de um troço tão aborrecido?