Vamos falar sobre drop?

Foram pelo menos dois os grandes legados do crescimento recente do Minimalismo na corrida. Um foi a criação de um nicho permanente de modelos e marcas que chegaram para atender quem gosta de correr com menos suporte e menos material nos pés. O outro foi, sem dúvida, o fato de trazer o debate sobre drop e espessura dos calçados da modalidade ao amador que gosta de aprender o assunto.

Por drop usamos sempre o valor em milímetros (mm) resultado da diferença entre a espessura do calcanhar e a parte dianteira do tênis. Vou pular tecnicismos da aferição da medida, mas com exceção de alguns modelos (especialmente os da Newton), os valores serão sempre positivos ou zero.

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Acredite, esse tijolo tem drop de 0mm…

A ideia por trás do drop é que tênis com valores mais próximos de zero, em geral, tornariam a corrida mais natural, já que milhões de anos de evolução e intervenção Divina nos deixaram com 0mm de drop quando descalços. Porém, se você perguntar a qualquer um envolvido com calçados o porquê dos tênis de corrida terem drop que não sejam necessariamente 0mm, haverá 2 tipos de respostas:

– a desonesta, que vai cair em um pseudo-embasamento científico, que nunca existiu;

– a honesta, que reside na ideia de Bill Bowerman, um dos maiores treinadores de todos os tempos e co-fundador da Nike, que decidiu por conta própria adicionar alguns milímetros no calcanhar dos calçados.

A ideia de que tênis de corrida com drop torna a corrida mais eficiente ou mais segura se fundamenta em uma ideia nunca provada de benefícios que justificassem seu uso. Toda e qualquer defesa por mais drop (maior ou menor) flutua entre a fé, o marketing, e a inversão entre teoria e prática, ou seja, na – e voltamos a ela – fé e esperança de que isso traga benefícios. Vantagens essas que nunca e jamais foram provadas ou sequer testadas.

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Drop tem peso fundamental em nosso padrão de corrida, mas ainda ignoramos essa informação vital….

Mas cada um defende o seu lado. Quando você diz que para correr você precisa de drop de – chutemos – 10mm, você cria um produto e se diferencia de concorrentes que produzem produtos sem discriminar essa diferenciação. Mas daí caímos em outro ponto: será que os modelos do mercado têm algum padrão?

A primeira notícia mais triste de todas é, dentre as marcas que compõem os dados deste post, apenas a Saucony deixa claro quais os drops de seus diferentes modelos. Adidas, ASICS, Mizuno, New Balance e Nike, as presentes nos dados, não deixam claro. Vamos ver o padrão resultante quando agrupamos essas fabricantes e seus produtos.

Por que essas marcas e Modelos?

Eu poderia ser mais diplomático, mas a primeira razão de minha escolha é: escolhi essas empresas porque o blog é meu. Mas eu poderia dizer ainda que escolhi porque são as mais representativas. New Balance e Saucony são pouco expressivas em quantidade aqui, mas são fortes nos EUA, têm bons canais de venda no Brasil e dão certo peso ao drop em suas comunicações. Já os modelos foram escolhidos dentre aqueles que são comercializados aqui sem considerar os de trilha, também por representatividade comercial.

Os valores, obviamente, não foram obtidos em nenhum canal das empresas. São medidas em sua maioria obtidas no conceituado guia da Runner´s World.

Gráficos

Quando olhamos a distribuição dos tênis em função da espessura do calcanhar (eixo vertical), quando colocamos o valor do drop (curva em laranja), não há um padrão visível nem de comportamento do todo, nem quando separado por gênero (homens em azul, mulheres em rosa), como você pode ver abaixo.

Calcanhar vs Drop MASC FEM

Dentre 103 modelos de cada sexo, não há um padrão do drop com o aumento da espessura do calcanhar…

Porém, quando jogamos os dados por dispersão, nota-se uma reta média muito semelhante tanto entre os modelos masculinos quanto os femininos. Não precisamos trabalhar os dados para ver que a quase totalidade dos tênis fica entre 25 e 40mm de altura no calcanhar (eixo horizontal), e entre 17 e 28mm de altura na parte dianteira (eixo vertical). *drop flutuando entre 5mm e 14mm, uma diferença enorme!

Calcanhar vs Drop MASC FEM dispersão

Separados por gênero, a resultante média, como era de se esperar, é praticamente igual.

Outro dado interessante é quando buscamos correlação do drop com altura do calcanhar ou espessura da parte dianteira. Se fica claro o comportamento dele com o calcanhar (gráfico 1), repare no 2º gráfico que há uma dispersão maior, mostrando parecer haver uma maior independência (ou falta de correlação) entre a espessura dianteira e o drop.

Calcanhar vc drop Frente vs Drop dispersao

Porém deixei por último a comparação entre duas marcas. O gráfico abaixo tem os valores dos modelos da Saucony (preto e azul) e ASICS (vermelho). Repare em uma coisa. Com exceção do modelo em azul, todos os demais tênis da Saucony possuem espessura de calcanhar maior do que o seu equivalente feminino. Os modelos do levantamento são anunciados pela marca como tendo 0, 4 ou 8mm de drop. Bom, não só não possuem, como há diferença entre os gêneros.

Saucony ASICS Masc vs Fem

Já nos modelos ASICS o padrão é o extremo oposto. Os tênis em questão são o GEL-Kayano e o GEL-Nimbus, os top de linha da marca. Todos os tênis masculinos, sem exceção, têm um comportamento muito peculiar (para dizer o mínimo). Eles são menores em espessura e em drop. Repare no segundo gráfico como as retas médias de ASICS (gráfico 1) e Saucony (gráfico 2) são invertidas. O comportamento é meio bisonho quando sabemos que há todo uma comunicação dizendo que atletas mais pesados necessitam de mais suporte. Só que nesses modelos, os tênis femininos, justamente atletas menores e mais leves, são maiores!

Saucony ASICS Masc vs Fem 2

Eu não quis aqui tirar conclusões apressadas. Minha “filosofia”, é sempre bom deixar bem claro, é que o Minimalismo, ou seja, menos intervenção humana, é melhor para o corredor. Mas não há um visível padrão entre as diferentes marcas que deixe você fazer uma escolha, seja porque não há o tal padrão, nem as informações técnicas são facilmente encontradas e quando há, não são de todo confiáveis.

Num futuro não distante tento escrever mais conclusões e divagações sobre esses números.

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22 pensamentos sobre “Vamos falar sobre drop?

  1. Nishi disse:

    Queria saber quem inventou o drop nos sapatos sociais masculinos… que adiante usar um tênis baixo se passo a maior parte do dia usando sapato social com um ressalto de uns 3 cm???

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  2. adrianapiza disse:

    Interessante pensar na origem do drop. Nunca tinha pensado nisso. Há anos comprei tênis de corrida sem pensar nesse negócio de drop, nem se falava nisso, era assim e pronto. Não sei se sempre existiu os zero drop, ou se é mais recente…o fato é que comprava sempre o que achava mais confortável, e penso que como estamos acostumados a usar o dia inteiro sapatos com algum drop (acho que os únicos calçados sem drop são chinelos, rasteirinhas e sapatilhas), quando colocamos o tênis com drop achamos que está compatível com o que estamos acostumados. Será que os tênis femininos são mais altos e com maior drop pensando que mulher usa salto? Foi somente nesses últimos 2 anos, e mais precisamente este ano que realmente me dei conta que correr com menos drop é muuuito melhor! A ponto de somente recentemente achar que incomoda colocar um tênis com drop alto após correr com um baixo. Tenho sentido esse incômodo, como se estivesse correndo de salto (sempre gostei muito dos Nike, mas a maioria tem um belo drop…). Demorou para perceber isso, mas nunca é tarde para mudar!

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  3. martinhovneto disse:

    Excelente o texto! Nossa, esse texto foi bem em cima da confusão que eu vivi a pouco tempo. A coisa do drop é muito aleatória como você constatou por números Balu. Eu acabei indo pelo conforto. Testando um e outro (um mizuno pro runner 17 e o NF5) eu me encontrei no Nike Free, por um único motivo, eu esqueci essa parada de tênis e foquei em outras coisas enquanto corria kkkkkkkk. O mizuno me apertou e eu fiquei lembrando dele a corrida toda…

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  4. adolfont disse:

    Só senti falta de uma coisa, Danilo Balu (ou não encontrei por ter lido por cima). Aquela discussão que o Peter Larson faz de que, se o solado for flexível e comprimir, um drop zero acaba sendo um drop negativo. Claro que isso só vale para drops de 4mm mais ou menos.

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  5. Pinguim disse:

    Porque tênis de futsal e futebol não tem drop?

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  6. […] Semana passada resolvi divagar um pouco sobre o drop dos tênis. Na verdade, fiz o texto depois de falar um pouco em duas partes sobre o ótimo Tread Lightly (aqui e aqui). O drop, a espessura (que atua indiretamente e decisivamente no peso) e a capacidade do tênis se articular, parecem ter isoladamente muito mais importância na “qualidade” de um tênis do que outro marcador que recebe muito mais atenção: as estruturas amortecedoras. […]

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  7. […] Dias atrás eu coloquei aqui como as informações sobre drop, quando raramente existem, são pouco confiáveis. Será que as informações de peso dadas pelas marcas são melhores, mais confiáveis? […]

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  8. Nenhum site de venda de tênis fala do DROP nas características do produto. Espero que chegue o dia em que essa informação seja tão comum quanto “tipo de pisada do calçado”

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  9. Jefferson Santos disse:

    Excelente matéria! Dá pra começar uma excelente dissertação de Mestrado. Parabéns!

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  10. Rodrigo Martinez disse:

    Se eu não me engano, sapatilhas de corrida para velocistas, tem drop negativo. Ou seja o antepé maior que o calcanhar já que não o usem durante a corrida. Tênis de futebol devem ter a mesma lógica, correr com o ante-pé para ganhar mais velocidade e na grama o impacto já é bem menor.

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