O lesionado quer melhorar, mas precisa é de esperança

No final do ano postei um texto sobre qual seria o melhor método para prevenção e reabilitação de lesões. Basicamente falo das armadilhas que fisioterapeutas, médicos (ortopedistas) e treinadores aplicam (ingenuamente ou espertamente) para proteger ou curar corredores. O assunto não é novo aqui no Recorrido… vocês sabem o que acho quando o assunto é lesões, a (baixíssima) capacidade de tênis influenciar positivamente na prevenção de lesões (ou mesmo desempenho) ou do tamanho da importância do placebo e da fé do corredor nesse assunto.

Vira e mexe volto no assunto: o corredor quer se sentir especial. Isso é uma constante em quem acompanha esse mercado e esse público. E essa fé vem em várias formas. Vem na forma de uma tecnologia inócua, que é cara e encanta, ainda que seja… inócua. Vem ainda na forma de um profissional gabaritado que é capaz de muito pouca coisa, mas sob quem depositamos uma enorme fé. Ou fé de que desta vez, mesmo contra todos os prognósticos, será diferente.

Eu não tenho nada contra médicos ou fisioterapeutas. Acho apenas que médicos e fisioterapeutas têm baixíssima capacidade de ajudar um corredor a se machucar menos, até porque é o treinador (sou um) quem aplica as cargas. Esse, sim, é o maior responsável a evitar que uma lesão apareça. Médicos e fisioterapeutas vêm depois, quando a lesão já está lá. *e, tenho que ser honesto, confesso que tenho pouca fé na capacidade deles em acelerar esse processo.

Um fisioterapeuta que respeito muito, o Claudio Mesquita, leu meu texto e escreveu uma resposta educada a ele. Basicamente, posso estar enganado, acho que mais concordamos do que discordamos. Ele reforça que falo de overtreatment. Esse excesso de intervenções é um mal da área da saúde, uma vez que sempre há uma ênfase em fazer algo quando há um problema (via positiva) em vez de buscar retirar aquilo que o causou em primeiro lugar (via negativa). No fundo no fundo, ninguém vai ao fisioterapeuta para escutá-lo dizer que você precisa descansar e voltar a correr devagar e em menor volume, ainda que esta seja a melhor e mais segura medida, você o quer aplicando um tratamento com algum aparelho da NASA que o fará voltar a correr 100% em tempo recorde.

Meu texto era mais sobre “armadilhas” e as “espumas” usadas no tratamento que acabam tirando o foco do problema real, como a busca de muitos profissionais por “tratamento complexo” e “nomes pomposos” (que são mais caros e encantam). Entendo que o Claudio Mesquita tenha achado minha implicância com o avental (que ele não usa), por exemplo, desnecessária. E é mesmo! Para mim o avental apenas transforma a pessoa aos olhos do lesionado em um super-herói.

Falando em super-herói…

Dias atrás voltei a assistir O Incrível Homem-Aranha 2. Foi ao final do filme (que já sei de cor) que me obriguei a escrever esse texto. Gwen Stacy, a namorada dele, faz um discurso sobre esperança (aqui ele dublado). Para ela haverá dias sombrios à nossa frente. Haverá dias em que você se sentirá sozinho, e é quando a esperança é mais necessária. Não importa o quão pessimista, ou o quão perdido você se sinta, você deve ter esperança. Isso nos mantêm vivos. Temos que ser maiores do que o que nos faz sofrer. O avental para mim é sintomático, ao corredor machucado transforma o profissional de saúde em um super-herói.

Ou ainda citando outro super-herói de meu filme favorito no gênero, Batman diz que às vezes a verdade não é suficiente, às vezes as pessoas merecem mais. Às vezes elas merecem ter sua fé recompensada.

Eu preciso no fundo é trabalhar melhor em mim o fato de que nunca devemos retirar de alguém uma ilusão se você não pode substituí-la por outra imediatamente. Isso pode não ser justo nem suficiente. Sob essa ótica, talvez no fundo não faça mal algum deixar aquele corredor ali fazendo exercícios em uma cama elástica ou em um aparelho caro com um doutor de avental se o que ele mais precisa é justamente ter esperança que aquilo funcione para recuperá-lo.

*para ilustrar não achei uma imagem melhor que o final do filme O Incrível Homem-Aranha 2. Não deve existir mesmo…

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7 pensamentos sobre “O lesionado quer melhorar, mas precisa é de esperança

  1. Fala Balu!

    Só pra registrar: faz mal sim deixar o cara na cama elástica ou no aparelho.

    Esses caras precisam ser educados em relação ao problema que têm, não enganados com condutas inócuas.

    Deixo para responder às outras poucas discordâncias que temos em outras ocasiões.

    Abraço,

    Claudio

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  2. Fausto Flor Carvalho disse:

    Belo exemplo de democracia, a discussão dos dois feita com respeito, qualidade e embasamento teórico e vivencial….que tenhamos mais discussões saudáveis em tantas áreas, para construirmos pessoas mais saudáveis e pacíficas.

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  3. Profissional da Saúde disse:

    Olá, não sei há quanto tempo se acha treinador mas descordo com sua forma de pensar e falar.
    Existem profissionais e profissionais!

    Assim como pessoas que se acham “treinadores” e não são!

    Lesões vem de N fatores, podem sim ser evitadas e não precisar de um outro profissional, desde que o “treinador” saiba o que está fazendo!

    Aprenda a treinar seus atletas e evite lesões!

    Simples assim!

    Caso seus clientes lesionem com frequência sugiro estudar mais antes de falar mal de outros profissionais!

    Grato.

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    • Danilo Balu disse:

      1. Me diga onde eu disse que lesões não podem ser evitadas. Aponte no texto, por favor.

      2. Aproveite e aponte onde eu disse que elas são monofatoriais (e aqui vou ignorar o fato que alguém se machuca correndo apenas se correr), até porque ela pode machucar a região por causa da corrida, mas a teria fazendo outra atividade.

      Boa sorte

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    • ciro violin disse:

      Quem acompanha o Balu, sabe que ele sempre disse que se lesionar pode acontecer até numa ida ao supermercado.

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  4. Pedro Ayres disse:

    Balu, respeitosamente discordo da ideia de oferecer esperança para compensar as ilusões perdidas. Sempre parto da premissa de que somos adultos, e lidar com as ilusões perdidas é parte da vida.

    O crítico, o cronista, o sátiro social, não precisam oferecer soluções. Quem aponta que o rei está nu não precisa ser alfaiate. A crítica é um exercício social necessário, e os adultos que lidem com isso.

    Não é fácil, mas ninguém disse que seria. Lasciate ogni speranza voi che entrate, já diriam nas maternidades…

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