Quando eu era moleque, a coisa que eu mais gostava era competir fora. Ali você tinha a chance de descobrir in loco o que os caras usavam, como treinavam, como se comportavam, quão bons eram. A internet meio que acabou completamente com a magia. Hoje me debruço mais sobre números (mensuráveis) e a relação das pessoas (imensurável). Se um dá a medida do grau da febre (o mercado), o sintomático fica por conta do comportamento da sociedade.
A primeira coisa que você descobre ao vir treinar na Europa (e assim também o é nos EUA) são os equipamentos. A pista que escolhi para treinar fica perto de casa e custa uma anuidade de 130 euros. Repito: anuidade. Neste valor estão incluídos ainda halteres, a orientação técnica e o livre acesso aos treinos. O tartan dela é equiparado ao de qualquer pista sintética brasileira, com a vantagem dos vestiários serem muito melhores e mais higiênicos. Há mais pistas sintéticas em Dublin, uma cidade do tamanho de Piracicaba (SP), do que eu sei existir em todo o Brasil.
A 2ª diferença é a impessoalidade. O serviço de assessoria técnica é algo que só existe no Brasil nos moldes como o conhecemos. Em Buenos Aires já há algo nessa linha brasileira, mas ainda sem o excesso que existe em SP, Rio, BH e outras grandes capitais, que por vezes tratam os alunos como grandes crianças em busca de um psicólogo que lhes dê atenção, num gesto claro de atender à demanda dos que pagam. Os treinos por aqui são mais focados, mais diretos, verticais, sem mimos aos clientes que – olha que engraçado – buscam grupos de corrida porque querem correr sem precisar fazer necessariamente de lá uma espécie de grande e constante HH. Veja bem, acredite, não critico os laços que a corrida possibilita, mas sou sempre meio refratário quando o assunto é “vestir o manto”, ”família assessoria XYZ” e essas analogias de assessorias.
No treino você chega (com pouca antecedência até porque não há a imprevisibilidade do trânsito ou de ficar preso no trabalho), treina e vai embora porque ninguém tem empregada doméstica e o frio não permite ficar deitadão com o corpo molhado de suor. Um pouco menos mimimi, muito mais corrida. É melhor? Aí vai de cada um, eu diria que é diferente, não necessariamente melhor.
Era natural que esse tipo de comportamento se refletisse também nas provas. Já participei de outras 2 provas recentemente. Em uma de 5km paguei 20 euros e o kit era bem parecido com as brasileiras. Mas 3 detalhes me chamaram muito a atenção. O primeiro é que não havia medalhas. O segundo é que havia apenas UM posto de água a pelo menos 500m DEPOIS da chegada. O tipo de medida que evita que você se desloque se não estiver realmente com sede, diminuindo custos sem comprometer nada. O terceiro é que eles correm demais. Foi minha pior colocação em muito anos de corrida, justamente em uma prova que tenho certo domínio do meu condicionamento.
Depois fui encarar a Rock n´ Roll Half Marathon daqui, da franquia americana de maior sucesso mundial. Novamente a simplicidade e a objetividade de um povo que sabe fazer negócio como ninguém. Largada minimalista, em ondas, tudo perfeitamente redondo. Se você tiver a oportunidade um dia, CORRA! É demais! Os incentivos pelo trajeto com bandas e placas sinalizadoras são incrivelmente originais. Mas é na largada que você vê a diferença de um povo civilizado.
Não havia na entrada das baias nenhum controle, você ia calmamente para a sua seção indicada no número de peito. Nunca tinha visto nada igual na minha vida. Foi um choque de civilização. Sem empurra-empurra, nada.
Aqui a corrida é um negócio tal qual no Brasil. Nem mais nem menos comercial. Mas com as particularidades da cultura local.
Outra grande diferença do mercado europeu eu conto amanhã!