Eu corro por Maud

Vou falar uma coisa que nunca comentei com ninguém. Já treinei em uma equipe em Buenos Aires, quando estudei na Espanha treinava em trilhas desertas e morando em Dublin treinei em duas equipes diferentes, sendo que a maioria dos treinos era rodagem sozinho. Em nenhum desse países eu corri com medo. Sendo um homem dando treino para mulheres demorou certo tempo para que eu entendesse o medo que muitas delas têm ao correr. Elas tomam cuidados que a maioria dos homens não tomam (onde treinar, quais roupas usar, olhar para os lados, etc). Não deve ser nada fácil!

Um acontecimento recente nos EUA trouxe um debate que poucos brasileiros devem entender 100%. Ahmaud Arbery era um jovem negro que no dia 23 de Fevereiro saiu para correr pelas ruas da Geórgia e nunca mais voltou. Foi morto por ser tido como um bandido, afinal, negro e correndo?!?

Corrida é um esporte branco. A elite pode ser negra, mas os amadores são brancos. Eu corro tranquilo dentro do Parque do Ibirapuera, dentro da USP, mas não corro 100% sem medo fora desses lugares. Sempre – e eu digo sempre! – que eu vejo uma viatura policial eu reduzo e olho diretamente nos olhos deles dando um sinal claro e inequívoco de que eu os vi e que, sem demonstrar reação (”quem deve não teme”) eu não posso ser tomado como suspeito só por causa da minha cor.

Acho que ser mulher corredora é mais difícil por causa do assédio e da questão física, mas esse episódio com o jovem Arbery me fez parar para pensar não sobre a fragilidade da vida, mas como somos estúpidos. Que Deus conforte sua família. No sábado, os primeiros 3,6km do meu treino foram por ele, representando o tempo de agonia em que ele teve que enfrentar esse sentimento repulsivo.

#IRunWithMaud

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2 pensamentos sobre “Eu corro por Maud

  1. Antal Varga disse:

    Triste e revoltante, Balu. Se essas coisas ainda acontecem atualmente, nossa “caminhada” está bem longe de terminar.

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  2. Giuliano Pinheiro Maia disse:

    Balu, você tocou numa temática que transpassa o mundo da corrida no Brasil. Está incrustada no âmago da nossa sociedade brasileira, sedimentada por 3 séculos de escravidão. Sociedade essa, que ainda vê o negro com “diferença” e o índio como preguiçoso, e não adianta achar que não somos um país eivado de racismo. Somo sim, uma sociedade que no seu âmago ainda persistem os pensamentos branco, latifundiário, escravocrata e econômico, sim, porque a renda é outro viés de estigma. Corro também por MAUD, corro pelo ser humano.

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