Está circulando o episódio de um corredor brasileiro que, tudo leva a crer, trapaceou cortando caminho na Maratona de Boston desta 2a feira. A prova é especial porque exige índice de qualificação. Como ele nem de longe teria condições, ele teria TAMBÉM trapaceado na Maratona de Chicago onde “correu” a marca exigida. O custo para alguém daqui fazer as duas provas não gira em menos que R$10.000-12.000 entre transporte, hospedagem e inscrição.
É óbvio que a indignação explodiu. “O que leva alguém a trapacear desse jeito?” “Por quê?!” “É injusto com os demais corredores“.
Eu sinceramente não sei o que achar. O que leva alguém a pagar a sair para correr 42km?, pode perguntar quem odeia correr. O que um comportamento que NÃO nos afeta diretamente tem a ver com injustiça? Por que se indignar??
Uns 2 anos atrás eu tentei entrar em contato com um conhecido cortador de caminho em provas. Na casa dos 60 anos eu pude notar que claramente falava com uma pessoa doente, perturbada, que necessitava de tratamento, uma vez que ele insistia ter corrido na 3a idade em ritmo queniano, mandando dados de GPS que revelavam ritmos sobre-humanos.
A coisa andou de um jeito que sua filha interveio, reconhecendo ser doença e pedindo compreensão. E eu me retirei. Igual um jogador profissional que é punido por doping quando cai no vício das drogas, esse corredor brasileiro não merece ser defenestrado em praça pública. Ele precisa, talvez não saiba, de tratamento. Por isso que é em vão querer expô-lo aqui. Pra quê!? Ele já foi punido demais! Não faz mais sentido.
Acabei de ler uma obra prima. “Em Busca de Sentido” é um clássico mundial de Viktor Frankl que fala sobre sentido em viver. Por que VOCÊ corre? Semanas atrás vi uma matéria na TV com uma garota que falhou numa prova de longa distância e estava em lágrimas porque queria que “se orgulhassem” dela. Tive certa pena daquilo tudo… ela fazia tudo aquilo pelos outros, não por ela. Correr já é chato, correr pelos OUTROS?!?
No fundo no fundo, esse brasileiro queria algo parecido. Ele buscava aprovação social que, ainda que você negue, todos buscamos. Nessa mesma semana assisti a Fyre, um documentário na Netflix que fala de um cara que engana milhares de pessoas criando um produto que seria de certa forma uma vida de Instagram só que real. Ele é ao mesmo tempo doente e manipulador (picareta mesmo). Ele só se deu bem por tanto tempo porque é muito fácil enganar as pessoas.
Esse falso maratonista vinha enganando a todos (e a ele mesmo). Mas foi pego. Linchá-lo publicamente não adianta nada. É até desumano. Doentes precisam é de tratamento.
*a foto deste texto é do perfil do maior trapaceador amador que a corrida já conheceu, Marathon Man na New Yorker.
Concordo 100% com o que você escreveu Balu. Em uma análise rasa, simplesmente é impossível compreender o que leva alguém a cortar caminho, se dopar, trapacear, em uma prova de corrida na qual ele não vai ganhar absolutamente nada a não ser satisfação pessoal e alguns ‘kudos’ no strava. De fato, o flerte com alguma patologia ou distúrbio é bastante plausível. Abraço!
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Excelente texto!
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Muito bom!!!!! Na verdade, o primeiro texro que vejo com essa abordagem. Muitos outros se concentram em dar mil exemplos de vários casos. Nenhum sai disso. Claro que é uma patologia, alguns até acho que muitas vezes acabam eles mesmos acreditando que fizeram tudo correto, tamanha a patologia. Não adianta linchar, bem colocado! Parabéns pelo texto!
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Excelente texto, concordo plenamente, é doença pura.
Com essa febre de corridas, competição, busca pela performance, muitos amadores se acham corredores profissionais, sé dando risada mesmo, ridículo.
Presenciei, na Maratona de São Paulo, muitos cortando caminho no Minhocão.
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A coisa degringolou com a era das redes sociais…
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Cada geração vive sua esquizofrenia… As redes sociais escancaram uma que era adormecida.
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[…] A Folha de SP traz a tradução de uma matéria bem bacana mostrando o trabalho de um americano querendo desmascarar alguns dos maiores trapaceadores da corrida de rua amadora! Bom, na 5ª feira véspera da 6ª Feira Santa eu escrevi o que acho do linchamento de um brasileiro pego.. […]
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Olá Danilo, esses dias assistindo um bate papo com você no YouTube você falou que na Etiópia os atletas não fazem trabalho de fortalecimento, apenas correm. Então tive um insight sobre isso que gostaria de saber se meu raciocínio procede. O fortalecimento segundo estudos está associado a prevenção contra lesões. Será que esse pensamento está certo na medida em que aqui a maioria dos atletas corre no asfalto, sendo que nesse caso um trabalho de 2x por semana de fortalecimento seja realmente necessário? E seguindo o mesmo raciocínio um atleta que treine na maioria das vezes em superfície mais macia pode fazer menos fortalecimento ou mesmo não fazer já que o impacto é bem menor? Resumindo, a não necessidade de trabalhos de força para os atletas africanos se deve ao fato de eles evitarem o asfalto? Espero que tenha me feito entender e agradeço desde já pela atenção. Abração.
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Oi Gilson! Tudo bem? Que bom que gostou! “O fortalecimento segundo estudos está associado a prevenção contra lesões”… NÃO… NÃO está associado! Não existe isso na literatura! É uma aposta de treinadores e praticantes… O fortalecimento na Etiópia (e no Quênia) é TODOS os dias… correndo em terrenos naturais E irregulares, superfícies que exigem mais do corpo na variedade de gestos. Correr na grama plana (tipo um campo de futebol) é MENOS completo e MENOS protetor do que correr num pasto (que é gramado, mas não é plano), me entende? Não é (só) a falta de asfalto que faz deles mais protegidos, é a falta de estabilidade. Espero que tenha sido mais claro agora.
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