Sobre baixo peso, uma volta ao simples e aquilo que de fato interessa

Domingo fui acompanhar uma corrida de rua. Adoro assistir! Talvez por causa do meu trabalho, logo que chegava não pude deixar de prestar atenção em uma corredora. Ela estava muito acima do peso. Muito. Ela iria carregar por 21km cerca de pelo menos 30kg a mais do que seria um peso saudável para sua estatura. Mas ela vinha munida com meias de compressão, uma roupa aparamentada (quando na verdade em países tropicais “menos é sempre mais”, para facilitar a dispersão de calor) e um cinto com 2 ou 3 sachês de gel.

Na semana anterior um cara treinado por mim, extremamente e raramente talentoso, falava aos amigos que decidira por conta fazer dieta low-carb e jejum intermitente (*quem me conhece sabe que, ainda que eu acredite 100%, eu NÃO incentivo essa abordagem, acredito que ela tem que vir da pessoa, não de mim). Ele perdera acho que quase 4kg em um corpo de menos de 65kg.

Tenho comigo que uma das coisas que diferenciam os atletas amadores mais rápidos dos mais lentos, entre outras coisas, é que os mais rápidos parecem ter discernimento daquilo que interessa para ser bom ou melhor. É como se no basquete você soubesse que sua eficiência no arremesso fosse mais importante do que saber fazer malabarismos, ou que no futebol um meia-atacante soubesse que um chute melhor é mais eficiente que dar rolinho (ou caneta).

Ao menos na corrida, baixo peso é melhor que gel, volume (de treino) é melhor que equipamento. Alguém poderia dizer que não são excludentes. Pois eu afirmo que os primeiros são essenciais, os segundos não.

No final da mesma prova eu conversava com uma treinadora. Somos amigos, e temos divergências técnicas simples e bem-educadas. Ela conseguiu pela primeira vez o índice para a Maratona de Boston. Como? Fazendo também pela primeira vez uma dieta de baixíssimo carboidrato, do qual ela é em teoria contra. Serviu para ela. Por que não serviria a outros atletas de necessidades semelhantes? Uma coisa é verdade: o peso baixo como busca de desempenho na corrida serve para todos, nunca sai de moda.

À corredora acima do peso que falei, não temos alternativas para dá-la desempenho. NÃO usar gel para ela é melhor do que usar. O menos é mais.

Enquanto escrevia esse texto me deparei com um texto de Alex Hutchinson que fala – desculpe o trocadilho – o básico. Que o básico é melhor do que o complexo. Na Outside ele fala como métricas simples e já há muito conhecidas são mais do que eficientes e confiáveis.

Vem ganhando atenção na corrida os medidores de potência (hoje tão comuns no ciclismo, mesmo no amador). Eu prevejo um cenário daqui 10 anos onde chegando para uma corrida você terá as mesmas pessoas acima do peso e cheias de equipamento com modelos de medidores de potência em seus punhos. Mal sabem elas que eu preciso fazer UMA única pergunta para saber com enorme confiança sobre quem vai ganhar uma corrida entre 2 indivíduos semelhantes. Ela é simples: quantos quilômetros você correu nas últimas semanas.

Falei tudo isso para dar-lhes um curto vídeo feito com triatletas profissionais. Às vésperas do Ironman de Kona eles falam sobre seu (baixo) peso e sobre a flutuação ao longo da temporada. Pois exatamente na semana passada um cliente falava que ele quer correr uma Maratona em 2019 pesando cerca de 78kg. Hoje ele tem cerca de 85kg e queria baixar o quanto antes. Por quê?

Nosso peso não é como nossa altura! Estar (muito bem) preparado para correr 42km é uma situação exclusiva, exceção, não regra. Para isso nosso peso também terá que estar em uma condição diferente (talvez baixo como nunca, insustentável no longo prazo). Repare na imagem acima (e antes do vídeo, que tem legendas em inglês) a flutuação de peso de um atleta olímpica e campeã nacional. Por que nosso peso teria que ser constante? Ele tem que ser baixo quando mais interessa. É sobre saber aquilo que importa no seu esporte!

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19 pensamentos sobre “Sobre baixo peso, uma volta ao simples e aquilo que de fato interessa

  1. Rafael disse:

    ” Por que nosso peso teria que ser constante? Ele tem que ser baixo quanto mais interessa. É sobre saber aquilo que importa no seu esporte!”

    Muito interessante isso. Vou anotar e pensar mais sobre isso.

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  2. Julio Cesar disse:

    Acho que ninguém correr maratona nem com 78 kg muito menos com 85 kg.

    É uma sobrecarga absurda.

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    • Luis Oliveira disse:

      Acho que definir se tem ou não sobrecarga depende do chassis, não depende?

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      • Julio Cesar disse:

        Eu peso 64 kg.

        Um corredor de 85 kg tem 21 kg a mais do que eu.

        A cada passada, na corrida, esses 21 kg se transformam em, sei lá, 60 kg.

        São 60 kg de carga a mais em cada passada durante 42 km.

        Não há chassi reforçado que aguente.

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      • Danilo Balu disse:

        Tendo mais a concordar com o ponto do Júlio… Independente da altura do sujeito, 90kg são 90kg… O impacto não diminui com altura… a métrica é em função do peso… Veja os ginastas… A. Lei Darwinista faz com que sejam baixos pra serem leves.

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      • Luis Oliveira disse:

        Acho que estamos falando de coisas diferentes. Não há o que discutir sobre as vantagens de um chassis magro no desempenho, basta olhar para o podio de qualquer corrida. Outra coisa é dizer que pessoas acima um certo limiar de peso (+/- 75 kg) não poderiam / deveriam correr pois os efeitos dos impactos seriam muito fortes. Se isso fosse verdade as maratonas majors deveriam ser proibidas como um problema de saúde pública, como o cigarro.

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  3. Marcos disse:

    Muito legal as considerações, o gráfico e o vídeo. Essa flutuação dos profissionais dá uma esperança aos pangarés. 🙂 Acho que isso também mostra a dimensão dos treinos dos profissionais no período de competição, o quanto eles devem ter de concentração e determinação para treinar e, como disse um cara no vídeo, comer bem e dormir bem. Além do objetivo de treinar, comer e dormir direito para as coisas acontecerem, vou tentar acrescentar não se preocupar com o peso, que – quem sabe – se autorregulará.

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  4. Leonardo Rodriguez disse:

    Balu, sua relação com o âmbito da fisiologia e nutrição passam menos pela tradição do que pelas comprovações científicas – inclusive questionando a tradição científica pautada em evidências fracas. É o que me motiva a acompanhá-lo, inclusive.
    No texto você utiliza “30kg a mais do que seria um peso saudável para sua estatura”. Nesse tipo de avaliação entendo que você utiliza o parâmetro IMC. Acredito, então, que você está de acordo que é um padrão que pode ser utilizado para os indivíduos não atletas e aponta para algum critério mais concreto e objetivo sobre “saúde”.
    Estou certo na leitura que fiz sobre sua posição do IMC como padrão de avaliação mais objetivo sobre “saúde”, no caso peso saudável?
    Você concorda/adota outros elementos que comumente são utilizados na área da saúde tipo relação cintura quadril, percentual de gordura, como parâmetros “objetivos” para avaliação de “saúde”?
    Explico minha curiosidade: você questiona pesado (acertadamente, muito embora não me considere autoridade para falar) a incapacidade de médicos interpretarem exames, tipo hemogramas, taxa de colesterol (devido suas inúmeras controvérsias), sempre arguindo as pobres evidências científicas que envolvem tais práticas/interpretações. Há, então, padrões baseados em boa ciência para a definição/padronização/enquadramento acerca de peso, percentual de gordura, gordura abdominal, que apontem para essa condição de “saudável”?
    Forte abraço e parabéns pelo trabalho!

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    • Felipe disse:

      Leonardo, imagino que o balu tenha baseado isso na famosa avaliação visual mesmo. A pessoa devia ter uma camada maior de gordura ao redor do corpo, não precisa de cálculos pra ver isso. Visualmente é o melhor jeito, uma vez que outros métodos não são precisos também, como bioimpedância e outros cálculos de gordura corporal. Pra corrida, quanto mais leve, melhor. Simples assim. Algo diferente é querer complicar o que funciona bem com o simples. Olhando, a gente sabe muito já.
      Quanto ao imc, não quer dizer muito quando se avalia um indivíduo, sendo uma ferramenta melhor para se avaliar populações.

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    • Danilo Balu disse:

      Oi Leonardo! Obrigado pelas palavras! o Felipe já disse praticamente tudo por mim… a garota de quem falei… ela era MUITO acima do peso… tem certas coisas que não precisam ser ditas… vc olha para ela e sob QQ parâmetro SABE que ela está acima do peso… não dá pra negar a realidade (ainda que MUITOS profissionais da área insistam). Falei 30kg, mas foi chute… foi um número arbitrário… O IMC, apesar da resistência de muitos inteligentizinhos na Nutricão, tem enorme serventia em populações heterogêneas (não vale pegar um grupo de gestante, mulher modelo ou fisiculturista). Eu nunca arrisco peso ideal (até porque isso na corrida não existe). Como disse, o IMC ou o Cintura-Quadril vão bem em grupos, não individualmente… Já o porcentual de gordura acho que é algo de serventia BEM limitada… pra mim vale quase tanto qto jogar um dado… gosto da ideia de dobras cutâneas (vc vai e elege algumas, umas 10, e usa o somatório desse valor, sem calcular o %, porque é bobagem). Já a questão de médicos (ou treinadores, nutricionistas…) em lerem exames é porque não estão mesmo preparados… nunca tivemos isso na faculdade, por exemplo! As pessoas (na área da Saúde ou não) confundem dado com informação…. elas até se aprecem, mas não são a mesma coisa! O que a ciência vem dando sinais é que qto menos gordura, melhor, qto mais músculo, melhor. Mas não sabemos até onde são esses 2 limites. O peso não é assim, portanto, a melhor métrica.

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      • Leonardo Rodriguez disse:

        Obrigado Felipe e Balu!
        Deu pra entender que era um chute e que a avaliação havia sido no visual e minha intenção era saber referência de boa ciência sobre avaliação física.
        Abraço!

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  5. Antal Varga disse:

    Balu, interessante essa questão da potência. Mas, assim como no ramo automotivo, o leigo acha a potência e o torque importantes. E isso é fator de exploração de mkt. Mas, na verdade para quem é mais versado, o que conta é a relação peso/potência e a curva de torque/rotação para avaliarmos o desempenho.
    Resumindo: dados não falam por si sós. É preciso extrair informação útil a partir deles mas, para o mkt o importante é vender coletores de dados que complicam algo bastante simples.
    Se o carro, no caso vc, for de baixo peso, não será necessário um motor extremamente potente para entregar um desempenho adequado. E o inverso é também verdadeiro, simples assim.

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  6. André disse:

    Bom dia Balu. Eu fiz a Meia de Sampa agora dia 30/09 e me impressiona o número de pessoas visivelmente acima do peso correndo os 21k. Lá pelo km 15 você já vê pessoas sofrendo para manter quando muito, um trote sem vergonha. Essas pessoas geralmente estão muito bem equipadas enquanto eu (um bom corredor amador que costuma correr em jejum, inclusive os 21 dessa prova) tinha apenas o básico. Respeito muito quem tem a coragem de sair do sedentarismo porém não consigo entender o que leva o ser humano se expor a tamanho sofrimento físico e mental. Forte abraço.

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    • Danilo Balu disse:

      Passa necessariamente por incompetência dos profissionais que vendem essa ideia… Veja as revistas… São mero classificados de produtos endossados por “especialistas”.

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  7. Antal Varga disse:

    Nesta questão do baixo peso e a aparente falta de forma gostaria de propor um contraponto para reflexão.
    Concordo com o que os colegas e o Balu pregam mas, me lembrei da Siria Costa, que não tem o biotipo estereótipo de corredor, pelo contrário mas, é ultramaratonista experiente, fez a Badwater 2017 se não me engano. Lembrando q para participar desta prova não basta querer e se inscrever, tem que ser selecionado.
    Ok, neste tipo de prova a resistência física e mental acaba contando muito mais do que a velocidade.

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  8. Julio Cesar disse:

    Balu, mas se o importante é o volume de treinos, então vc não concorda com a ideia de garbage miles ?

    Qual seria, por exemplo, o benefício de um trote de 6 km a 6´00″ pra alguém que corre 5 km abaixo de 4´00″ ?

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    • Danilo Balu disse:

      Difícil falar o que é exatamente a garbage miles… Kipchoge (e muitos quenianos, por exemplo) correm treinos leves largando a 6min/km (9 minutos por milha)… aí aceleram até chegar em 4min/km. Isso dá 33% mais lento do que correm prova. 4min/km mais 33% dá mais de 5min/km. Normal.5′ 30″/km? Não é ruim tb, não! Eu acho que há o momento certo de correr assim tão devagar. Saber qdo é exatamente é uma arte!

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  9. Marcelo disse:

    Balu, você viu esse? https://www.podiumrunner.com/14-ways-to-get-faster-without-losing-weight_179433

    Provavelmente, sim, porque sei que você é fã da PodiumRunner tb, mas tô lembrando que você tinha dito que o peso era (e eu acredito nisso) um dos fatores para ficar mais rápido.

    Não é treta, só pra saber o que você pensa sobre a reportagem, do site que eu considero um dos melhores sobre corrida, sigo desde a época que era Competitor Running.

    [ ]s

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    • Danilo Balu disse:

      São bons! O peso é UM DOS jeitos de se ficar mais rápido, não o único. Na verdade peso baixo é UMA condição, não a única. Repare que uma das dicas dele é usar tênis mais… leves rsrs

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