TRATAMENTOS DA MODA. Ou ainda “A Natureza sempre dá um jeito”

Uma teoria apresentada em um congresso recente com resultados preliminares encontrou que corredores que pisam com o calcanhar têm economia de corrida similar àqueles que pisam com a parte mais anterior. Basicamente aquele tem uma extensão maior da panturrilha enquanto este teria maior carga. Ou ainda, usando um clássico de Jeff Goldblum em Jurassic Park (1993): a natureza sempre dá um jeito.

A corrida, não podemos nos esquecer nunca disso, é extremamente simples, antiga, facilmente mensurável, acessível e bem disseminada. Tudo que você tentar (e achar revolucionário), é improvável que não tenham tentado antes, então não assuma a priori que nunca alguém tenha pensado e tentado o que você tem mente. É assim que eu vejo alguns especialistas que vivem de enchê-la de espuma.

 

Quando o gelo engana o fisioterapeuta

O mundo dá voltas e a natureza dará sempre um jeito. Parece ter virado praxe a recomendação de aplicar gelo em atletas mesmo em indivíduos não-lesionados. Ignoremos de cara duas verdades do amador: a primeira é que se você paga uma consulta e seu fisioterapeuta/ortopedista fala que você pode voltar para casa sem recomendar nada, você o avaliará como menos competente. Então ele vai mandar você fazer algo que não te prejudique, mas que não o torne um profissional malvisto. A segunda é que todo corredor amador gosta de ser visto como especial, como mais próximo de um atleta profissional (uma mentira) do que alguém sedentário (uma verdade)*. Então ele gosta de ser orientado a fazer algo que seria “para ele” (personalizado) ou próximo do que faz, por exemplo, um LeBron James, que faz gelo ao final do jogo 2 da apertada série de 7 partidas.

*gosto muito da definição da Runner’s World sul-africana que meio que prega que alguém que corra 30 minutos 3 vezes por semana (a maioria absoluta dos corredores) não tenha um estresse fisiológico que impacte e/ou faça qualquer alteração ser necessária.

Não é de se espantar que estudo atrás de estudo encontre que aplicar o gelo após a sessão de treino traria apenas adaptações negativas, contraproducentes ao corredor não lesionado. Eu sempre me pergunto os motivos das pessoas seguirem orientações esportivas de fisioterapeutas, médicos e nutricionistas… sempre acho que é como perguntar sobre hidrodinâmica a pescadores. As coisas se parecem, mas cada um tem seu funcionamento distinto.

Falo isso porque esporte é basicamente gerenciamento de estresse aplicado a um sistema orgânico complexo buscando adaptação. Qualquer prática incidindo em qualquer uma dessas variáveis vai impactar seu resultado. O nutricionista que sugere a ideia estúpida de oferecer uma refeição com proteína e carboidrato (sempre a 4:1!) sem fome impacta o resultado. O fisioterapeuta ou médico que sugere gelo sem lesão impacta a carga. Costumo dizer que essas são ideias tão esdrúxulas, de quem ainda não entendeu o básico, porque seria o mesmo que pedir que a pessoa corra sempre em descida porque as velocidades médias de treino serão maiores, quando no dia da competição a pessoa correrá no plano (ou na subida).

 

O estresse é essencial

O corpo precisa ser submetido ao estresse. Fazer gelo é tirar as condições para que isso ocorra. Isso porque o estresse revela e propicia benefícios que ficam escondidos no conforto. No conforto do gelo para tirar a dor (que não é fruto de lesão), o conforto da palmilha de silicone ou o conforto da refeição a cada 3 horas. Basicamente, podemos dizer que oferecer nutrientes que ele ainda não “pede” é alterar negativamente toda uma rede complexa que é intrinsecamente regulada. O homem parece ser o único animal que vai à mesa sem fome ou que sai dela sem estar satisfeito. E é o único que sofre de algumas doenças crônicas por causa disso. Por isso mesmo…

Não tente enganar a natureza

Por fim, chego a outro estudo interessante, um envolvendo maximalismo e impacto. O resultado de um levantamento é que aqueles que correram com o que é estupidamente apontado como solução por vendedores (mecanismos para reduzir o impacto na corrida) tiveram maiores cargas de impacto em sua corrida. Ou seja, tênis maximalistas geravam maiores cargas de impacto que tênis neutros.

Veja bem, para vender (mais) tênis, vendedores disfarçados de pesquisadores vieram nos dizer que um pedacinho de borracha ao calcanhar melhoraria um trabalho de milhares de anos Do Criador (seja lá quem seja Ele para você). Não tinha como dar certo! A natureza criou e cria o jeito dela de passar por cima disso. Era óbvio que usar tênis grandes mudaria nosso padrão de corrida. Que ao corrermos enfatizando uma parte do pé fariam as lesões apenas migrarem de lugar.

 

O que os profissionais da saúde fazem é mudar para menos a carga de estresse. Só que, ainda que o condicionamento aeróbio seja calibrado pela média da distribuição de cargas, parte deles, os níveis de força, são calibrados pelos extremos (dessas cargas), então, SIM, diminuir essa carga oferendo as intervenções da moda (gelo, crioterapia, meias de compressão, lanche pós-treino, glutamina….) só pode ser contraproducente.

Não caia nessa pegadinha!

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13 pensamentos sobre “TRATAMENTOS DA MODA. Ou ainda “A Natureza sempre dá um jeito”

  1. Luis Oliveira disse:

    Balu, ter a mesma (ou equivalente) economia de corrida não significa que produzam resultados equivalentes em outros aspectos (lesões, por exemplo), certo?

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    • Danilo Balu disse:

      Não não… A questão das lesões está relacionado ao fato de que muda o padrão de corrida e exige partes diferentes do corpo.

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      • Luis Oliveira disse:

        Então ainda dá pra dizer que, mesmo que sem ganhos na economia de corrida, pisar com o meio do pé é superior no longo prazo (menos lesões), certo? (em tempo, podias colocar o link do estudo? Fiquei curioso pra entender como o cara chegou nessa conclusão)

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      • Danilo Balu disse:

        Foi um congresso… Pisar com o meio do pé é vantajoso porque fomos construídos pra correr assim. Fabricante de tênis que acha que tem que ser com o calcanhar.

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      • Luis Oliveira disse:

        Acho que vi no twitter. Valeu!

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  2. Antal Varga disse:

    Balu, é muito interessante essa coisa do maximalismo e minimalismo. Ainda que ambos tenham uma enorme dose de marketing associado, me parece que o último tem algum embasamento científico, ainda que puramente observacional. Até deixou legados para a indústria do calçado de corrida como drop menor, toe box largo, flexibilidade ou seja um olhar para o movimento natural do ser humano.
    Mas, para mim, o outro não passa de puro empirismo de dois ex-Salomon. Tanto é que o maximalismo não “viralizou” tanto assim e adota diversas premissas e soluções do minimalismo. E se vc observar os últimos lançamentos, estão ficando menos com pinta de bota do Gene Simmons e mais com uma “cara” de calçado convencional.

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    • Danilo Balu disse:

      Os primeiros modelos parecem calçados ortopédicos… Dava medo.

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    • Luis Oliveira disse:

      Não viralizou aqui no Braza, Antal, onde os Hoka OneOne saem por módicos 700 a 900 paus. Na gringa (onde eles também não são exatamente baratos), são bem comuns mesmo.

      Pior, acabaram influenciando a industria, que aumentou os “saltos” de todos os modelos. Nunca vi tanta espuma EVA na minha vida como nestes dois últimos anos.

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      • Danilo Balu disse:

        O tênis é dirigido pelo consumo pra quem acredita que tênis é resultado de pesquisa. Geralmente quem acha que tênis é resultado de pesquisa tecnológica não fala isso de graça….

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  3. liporati2002 disse:

    Economia de corrida nada mais é que um surrogate endpoint (https://en.wikipedia.org/wiki/Surrogate_endpoint). E eu sou preconceituoso com surrogate endpoint. Quando aparece um eu já penso na máxima do Nassim Taleb:
    “They think that intelligence is about noticing things are relevant (detecting patterns); in a complex world, intelligence consists in ignoring things that are irrelevant (avoiding false patterns)”

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  4. Fausto Flor Carvalho disse:

    Balu, tive um professor na faculdade de medicina que na sua tese de livre docência mostrou que a aplicação de gelo num local inflamado melhorava as condições em um período de duas horas….mas depois havia mais inflamação local….mesmo assim, ele dizia que a gente iria fazer o gelo, porque o conhecimento popular tem mais força que o científico.

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