Corrida é SIMPLES. Complicar é para vender ou para se dar mal.

Um dos textos que mais gostei de escrever ano passado foi um que definia uma grave síndrome que aflige os corredores de assessoria (ou não) Brasil afora: a Treinandus Poucus Demasiadus Papus. Basicamente explico nele que para melhorar na corrida, basta correr mais. Por algum motivo me vi em meio a notificações de pessoas que chegavam a ele quase 1 ano e meio depois.

O texto não é muito diferente do que disse muito bem Alex Hutchinson ao final do ano passado. Em seus 7 pilares da sabedoria na corrida, Hutchinson repete com outras palavras o que eu disse. Entre elas: se vem em uma embalagem, é improvável que te faça correr melhor. O melhor equipamento (gadget) que existe está na sua cabeça. Quer correr melhor? Corra mais. Ignore a ideia de que existe treino mágico ou atalho.

Por coincidência estava para comentar um texto muito interessante que fala sobre predição do tempo de corredores em maratonas. O texto retoma indiretamente algo que gosto sempre de enfatizar aqui e é algo que todos sabemos ou deveríamos saber: a corrida é, dentre as modalidades olímpicas, talvez a mais simples. Correr pode não ser fácil, mas é SIM simples. Envolvê-la em uma aura de complexidade é bom apenas para quem a tem como produto. Você valoriza justamente aquilo que você vende.

Já ouvi e não foi pouco que você teria que buscar alguém diplomado para aprender a correr. Dias atrás na TV algo bisonho: um ex-atleta olímpico ficou uma ou duas semanas apenas correndo na esteira porque isso “serviria para evitar lesões”. É um nonsense! É uma bobagem que nem quem defende isso consegue explicar sem se atrapalhar! Se deixarmos essa categoria de profissional cuidar da corrida, em breve você terá que fazer cursos antes de correr seus primeiros 5km. Será mais ou menos assim com nossas crianças:

  1. No ensino básico os treinadores (com diploma e CREF) passarão textos e livros para que as crianças possam ler sobre corrida;
  2. No ensino médio irão fazer trabalhos sobre corrida;
  3. E só na faculdade, enfim, poderão correr.

 

Em uma ou duas gerações com essa mentalidade e nos convencerão que sem aprender com quem tem o combo CREF-diploma não seremos capazes de correr!

Voltando ao texto sobre predição de treino em maratona, ele é importante por 2 motivos. Um deles bem claro. De cara você descobre que as fórmulas mais usadas são EXTREMAMENTE agressivas, acabam “quebrando” muita gente que sai forte, tentando um tempo irreal. Para sermos mais exatos, apenas cerca de 5% consegue atingir o tempo previsto (coluna verde abaixo)! Segundo o novo cálculo (coluna vermelha), para determinar o seu tempo nos 42km você deveria ser bem mais conservador sob o risco de quebrar feio. Faz todo o sentido.

Mas o que não está claro a quem lê é como reforça a simplicidade do treinamento. O autor do artigo nos mostra que justamente os atletas mais rápidos conseguem tempos mais próximos do previsto. Até aí é pura curiosidade, mas depois vem outro gráfico: os corredores mais rápidos correm maior volume semanal.

Eu disse em meu texto original, eu preciso de apenas UM marcador (ou variável) para saber quem corre mais: quem correu mais quilômetros no treinamento. Não me importa tênis, suplemento, metodologia ou mesmo um dos pontos mais sobrevalorizados que existem, a periodização. Quero e preciso saber apenas quem correu mais quilômetros. Só isso.

O autor estabelece metas de volume em função da velocidade. E adianto: americanos e britânicos priorizam muito volume! E quando os dados são colocados em gráficos temos que os mais rápidos (abaixo de 3h00) correm bem mais em seus 5 maiores longos e, MAIS IMPORTANTE, mais quilômetros FORA dos treinos longos!

O autor não faz correlação com GPS, com tipo de pisada, com fisioterapia preventiva nem nutrição, ele mede quem gastou mais o lombo correndo no asfalto. Simples. Quer melhorar? Corra. Qual ritmo? Isso é o de menos, CORRA! E veja só que “engraçado”: quem mais corre, melhor corre. E quem mais corre ainda tem mais chance de chegar a um tempo previsto “agressivo”.

Quanto mais quilômetros nos 5 maiores longos, maior a velocidade…

Eu escrevi tudo isso a algumas horas de participar de mais uma reunião em um ambicioso projeto envolvendo muitos profissionais sobre estudo da corrida. Não posso falar a respeito, mas as reuniões, que tinham apenas eu e mais um como treinador envolvido, caía eventualmente na importância de aspectos que na teoria parecem ser importantes, mas na prática pouco comprovam sua importância.

Periodização, tipo de pisada, alongamento, ter treinador, ter planilha… teriam isso importância na redução de lesões? Hoje não existem evidências que deem suporte a nenhum deles! Incrível, não? Na verdade, é mais fácil encontrar bons levantamentos que digam justamente o contrário (menos com periodização, que só não se mostrou ainda sequer importante).

Esse é um dilema atual, presente no debate. A teoria diz uma coisa, mas se você quiser ir bem, tem que ignorar boa parte dela! Porque mais do que não ter sido posta à prova, ela parece não funcionar muitas vezes. Vou para fechar usar outro exemplo.

Dias atrás fui em um evento de corrida e encontrei um maratonista amador que é tudo menos rápido e é tudo menos lento. Ele treinou para uma maratona mais longos do que eu treinei para minha primeira (e única) ultramaratona. Se eu treinasse o que ele treinou eu não chegaria à minha prova. Algumas coisas ficam bonitas nos livros de fisiologia. Pena que não funcionam. Ele toma mais gel por mês do que eu em um ano. Quando na verdade o treinamento deveria preparar para aquilo que você NÃO tem. Por que oferecer carboidrato ao corpo nos 42km quando você precisa ensinar o corpo a queimar gordura? É mais ou menos como você pegar um brasileiro iletrado, levá-lo para viver em Paris e dar aulas de… português. NÃO! Deixe que ele melhore o português sozinho, isso não é problema seu, ele tem que ter aula é de francês! (*aqui Mark Cucuzella explica didaticamente sua abordagem dos motivos para treinar como queimar mais gordura como combustível correndo 42km em uma super dica da Paula Ferreira).

Quanto mais aulas de português, menos tempo para francês, quanto mais gel na cabeça, menos o corpo pode aprender a usar gordura. A corrida é simples, é “fácil”, mas por um misto de ignorância conveniente ou por não conseguir ler o básico você vê pessoas complicando, errando. É de dar nervoso!

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26 pensamentos sobre “Corrida é SIMPLES. Complicar é para vender ou para se dar mal.

  1. Marcos Paulo disse:

    Balu, no texto lemos que a rapidez está relacionada ao volume de corrida (ingleses e britânicos nessa seara). A intensidade, então, não faz diferença?
    O ano passado tive meu melhor tempo numa prova, correndo dia sim, dia não, sem apoio de planilha. Intuição pura!
    De lá pra cá, por problemas físicos, não estou podendo trabalhar esse “meu método”. Resolvi participar de uma meia em agosto e, então, baixei uma planilha de 12 semanas de treino até lá. Achei interessante a lógica da frequência cardíaca (me fodo menos, acho). Bora ver o que vai dar.
    Cara, correr é simples. Eu pensava assim até começar. Mas, já tô meio incrédulo, principalmente quando passei a ver, vídeos, blogs “clandestinos”, etc… eheheheh. Tô rindo, mas é sério… Esse negócio de corrida é complexo pacas!!!
    Grande abraço!

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  2. André disse:

    Balu, fiquei com algumas dúvidas.

    Você diz que para correr melhor e mais rápido deve-se treinar mais e depois diz que um corredor lento treinou muito mais para uma maratona do que você treinou para uma ultra.

    Isso me deixou confuso. O que seria treinar muito para uma maratona?

    E sobre os géis, eu costumo não usar em treinos (longos de até 30k e eu não sou rápido, treino próximo dos 5 min/km) para acostumar o corpo a usar sua própria energia, mas na prova eu utilizo, pois a intensidade é sempre maior.

    Você não usa nenhum gel durante a maratona, mesmo correndo em intensidade maior do que nos treinos?

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    • Danilo Balu disse:

      Volume e longos incompatíveis com a distância e a velocidade desse atleta. Usar menos gel em treino não significa que não seja útil no dia. Dá pra fazer os 2 tranquilamente.

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  3. Marcio Manzi disse:

    Balu, sobre o texto de Mark Cucuzzella, pesquisei o resultado e me parece que ele não conseguiu completar com menos de 3 horas(3h04), sabe se ele tentará outra maratona para continuar a buscar o recorde de 33 anos que ele cita?

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  4. Antal Varga disse:

    Balu, sou partidário desta abordagem do volume…. por gosto mesmo.
    Parei com apps e planilhas e procuro usar a sequência de longos deles para o meu treino. Considero como longo as distâncias acima de 20 km.
    Durante a semana até faço um de ritmo (puxado) por uns 5 km e encaixo um fartlek de vez em quando em outros dias. Mas, o foco é o volume.
    Essa dica eu peguei com o Enzo Amato que num de seus vídeos diz que se vc ainda não domina os 42km, o foco deve ser em volume. Depois, quando dominar a distância, daí muda-se o foco para ritmo, velocidade. Mas, daí acho que a velocidade aumenta naturalmente só por se estar acostumando a correr a distância.
    Atualmente p.ex, acho a meia muito prazerosa e meu RP veio justamente no meio do treinamento de maratona numa prova da prefeitura em que só me inscrevi porque era gratuita.
    Ah, em tempo nunca tive treinador nem participei de assessoria. Do sofá aos 42,195 km foi tudo sozinho com uma boa dose de curiosidade. Não uso suplementos nem gel, só banana passa, comida de verdade e procuro evitar comer “besteiras”.

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  5. Mas se lermos a tabela em tempo treinando ao invés de quilômetros, chegamos à conclusão contrária. O atleta que corre a maratona em 4 horas corre bem mais da metade da quilometragem do que faz a maratona em 2h e pouco. E o tempo correndo não deveria ser mais relevante que a dstancia? Porque provavelmente um se esforça tanto para correr a 5’/km quanto o outro a 3’/km, não? A questão bem simples não é que um tem simplesmente uma capacidade de correr mais rápido que o outro? Não sei…

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    • Danilo Balu disse:

      Acho que não entendi o que quis dizer com o “quem corre a maratona em 4 horas corre bem mais da metade da quilometragem do que faz a maratona em 2h e pouco”… O tempo não deveria ser a principal métrica, uma vez que vc entra em um evento cuja definição é equalizada pela distância, não tempo. Treinar por tempo é apenas uma ferramenta, mas o FIM do treinamento é fazer vc correr 42km, não X tempo. Alguém que corre a 5min/km corre em intensidade bem mais baixa do que aquele que o faz a 3:xx/km. A medalha (ou a conquista, o que preferir) é a mesma, mas esforços fisiologicamente bem diferentes.

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      • Acho que ficou confuso mesmo. Quis dizer que o atleta da maratona em 4h treina, considerando tempo e não distância, mais do que o que faz em 2h. Então, na prática, ele treina mais! Só que, como ele corre mais devagar, a quilometragem fica menor. Mas concordo contigo que a prova é medida em distância, e não em tempo. Na verdade é até difícil comparar, porque fazer uma prova em 4h é tão diferente de fazer em 2h. A de 2h se aproxima mais de uma meia maratona para o que faz em 4h. Valeu pela resposta, amigo.

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      • Danilo Balu disse:

        Mas volto a dizer o que disse… Qdo avaliado por tempo de treino (e não km), os mais rápidos tb treinam mais porque correm mais vezes na semana…

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  6. William disse:

    Balu, o tempo de exposição ao exercício tem de ser considerado, para um corredor lento fazer o volume que os corredores mais rápidos fazem teria que correr por muito mais tempo e o desgaste seria muito maior. Quem está melhor condicionado corre mais porque consegue correr mais rápido.

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  7. Maicon disse:

    O fato dos corredores mais rápidos na maratona na média correrem mais quilômetros significa que é a forma mais eficiente? O fato de mais pessoas emagrecerem com restrição calórica significa que isso é mais eficiente? Tenho visto muita gente mesmo que faz maratona muito bem e corre 4 x na semana.60 km no máximo no pico. Eu corria 6 dias na semana e fazia de 70 a 100 km na semana. Pra esses novo ciclo de maratona tenho investido nessa nova ideia. Correr menos e com mais intensidade. Os resultados já melhoraram nas distâncias menores. Vamos ver na maratona.

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    • Danilo Balu disse:

      A forma mais eficiente é: como fazem os melhores. Intensidade fosse a norma, Bolt ganharia dos 100m aos 42km. Pegue um que corre 30km “forte” e me traga um que corre 130km/semana e perca dele.

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      • Maicon disse:

        Não acho que seja a norma. Mas pra um amador pode ser uma alternativa. Já que suas necessidades são diferentes. E sim, conheço alguns amadores que correm 130 km na semana e correm maratona mais lento que outros que fazem 40 km, 50km forte na semana. Uma vez fiquei lendo inúmeros comentários num blog americano que falava do método run less run faster. Apesar do blog argumentar que não funcionava os comentários diziam exatamente o contrário. Isso abriu minha mente. As necessidades de um amador são as mesmas de um profissional? Por que triatletas correm tão bem maratona com volume baixo de corrida? No meu caso não vou conseguir saber se o método de correr menos funcionou pois também tem a questão de estar a mais tempo treinando e ocorrer uma evolução natural.

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      • Danilo Balu disse:

        Pegue um grupo homogêneo biologicamente e ache essa discrepância (130km/km pior que 50km/semana e mesma experiência de treinamento).

        Amadores e profissionais não têm as mesmas necessidades, mas respondem a leis biológicas bem similares.

        Triatletas bons correm bem porque pedalam mto, já transferência (Lance Armstrong aposentado correu a dura NY abaixo de 3h00).

        O método Run Less Run Faster parte de 2 premissas: que intensidade substitui volume e que todos os demais atletas são tontos e nunca pensaram nisso. Tanto é que falta UM indivíduo com essa abordagem com resultado de ponta.

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  8. Maicon disse:

    Eu entendo o ponto Balu. E talvez no altíssimo nível não funcione ( talvez), pq como você disse ainda ninguém fez. Outro ponto é que kilometragem é um dado fácil de obter e de se gerar estatística. Apesar de que no gráfico que você mostrou (km dos 5 maiores longos) o platô entre duas barras ser grande é indicativo de uma área cinzenta, mesmo com a tendência demonstrada. O que eu quero dizer é que intensidade é mais difícil medir e gerar estatística. Assim como periodização e outros fatores. Enfim. O amador pode testar quantos métodos quiser e ver qual se adapta melhor. Eu não tenho opinião formada dada a variedade de abordagens que já li a respeito. Vou testando e vendo o que acontece.

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    • Danilo Balu disse:

      Não não… quem disse que ninguém fez? Ninguém CONSEGUIU resultado… Intensidade não é difícil de se medir… está CHEIO de referência chegando no mesmo pto: a maioria faz 80% em baixa intensidade, conseguindo… maior volume! E lá no link do Hutchinson está a resposta que vc deixa em aberto: qdo vc sobe os KMs (volume) a resposta vem.

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  9. ciro violin disse:

    EU penso que entendi o que o Balu quis dizer, mas como tem muita gente correndo, de diversas formas diferentes, o entendimento de cada um fica tendencioso ao que a pessoa vem fazendo como treinamento.

    Eu particularmente encontrei uma maneira de correr “rápido” uma maratona (para um amador) bem fiel ao pensamento do Balu. Foi correr em kms por semana a maior quantidade possível e sustentável sem me machucar ou tentando ao máximo não me machucar. Repetindo novamente na outra semana e na outra semana e assim por diante. Nunca foquei em intensidade, apenas em kms por semana.

    Minha experiência mostrou que correr mais em kms por semana é diretamente proporcional a correr mais rápido, mas também carrega o malefício de uma possível lesão, por isso uma boa consciência nos movimentos é importante

    Minha pergunta pro Balu é: vc acha que correr com a medida em tempo/semana é menos ou mais prejudicial quando pensamos em lesões? Ou não importa?

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  10. Maicon disse:

    https://runnersconnect.net/why-run-less-run-faster-doesnt-work/

    Se tiver curiosidade leia os comentários

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