É sempre complicado falar sobre tecnologia de tênis. Isso porque corredores (pagos ou os não-pagos), tal qual o consumidor mediano de outras categorias, colocam na tecnologia um peso desproporcional à sua efetividade, assim o debate sai do campo das ideias e parte para a torcida, vira quase religião.
Diferentemente de um computador, de um celular ou de outro artigo eletroeletrônico, a tecnologia não é a maior responsável pela efetividade desse produto. Isso é tão claro que basta olharmos aos tênis dos profissionais. Quanto menos tênis houver, melhor. E isso vale dos 100m aos 42km.
Assim como colocar a palavra “orgânico” ou “100% natural” em um alimento aumenta o valor percebido da comida, quando o tênis vem envolto em um ar tecnológico e moderno, você aumenta o preço pelo qual o corredor estará disposto a desembolsar por ele.
Se você olhar historicamente, verá que a maior sacada inicial da Nike foi entender que, além de vender mais, a tecnologia tem que necessariamente ser visível. Foi assim com a tecnologia AIR, que não bastava estar lá, a bolsa TINHA que ser e estar visível ao consumidor. Na mesma linha a Mizuno (com sua placa sempre à mostra) e a ASICS (com seu gel) entenderam essa ideia simples, mas essencial. Mais do que possuir gel (ou placa), ele precisa ser visível, colorido. Isso porque um gel branco, ao corredor, pareceria ineficaz. A Nike pode não ser a líder do mercado de running performance (nome da categoria), mas ela lançou a ideia.
Quando trabalhei na adidas esse era um desafio constante. A tecnologia finada da época (Formotion) não era visível. Apenas explicar ao corredor não funcionava, isso porque igual um aborígene de 1.000 anos atrás, se o corredor não vê a tecnologia (que pode ser uma espuma, um pedaço de plástico ou puro ar), é porque ela não existiria. Quando eu estava lá havia mais gente correndo com o também finado bounce (que não era de corrida, mas que tinha bolas vazadas de acrílico no calcanhar) do que os de corrida. Por isso que em treinamento da ASICS se leva um tênis aberto pelo meio com o gel sempre exposto. O corredor, antes de tudo, precisa ver para ter fé.
Se você reparar, em toda “tecnologia de amortecimento” (tenho pavor dessa expressão) há um nome rebuscado e algo tangível, que pode ser tocado (a única exceção dos protagonistas talvez seja a Brooks, que quem sabe não só por acaso não decole no Brasil).
OK, essa é uma estratégia do fabricante de te “convencer”. Mas ela não acaba aí. Outra estratégia para convencer sem abrir mão da tecnologia é a análise de pisada, usada pelos fabricantes, lojas e mesmo fisioterapeutas. Quem nunca viu um? Quem nunca entrou em uma fila para fazer um?
A verdade é que um teste de pisada aumenta demais a conversão de vendas. Uma loja que realiza o teste é vista como melhor do que uma sem um equipamento. E quando você consegue fazer alguém realizar um teste, você sabe que aquela pessoa caiu na arapuca e está prestes a virar um consumidor seu.
O que sabemos hoje é que o excesso de opções atrapalha as vendas (“Paradoxo da Escolha”). Se você oferece 40 tipos de geleia a alguém, você cria uma confusão mental tão grande que a pessoa trava e não compra. Mas se você oferece 6 tipos de geleia suas chances de vender aumentam consideravelmente. Não à toa qualquer lanchonete com a opção “monte seu sanduíche” deixa de lado opções já pré-selecionadas (com nomes pomposos) porque ter que escolher dentre 100 ingredientes não é lá muito acolhedor. Visto desse modo, quando você entra em uma loja e se depara com 40 tipos de tênis, nada mais assustador.
Mas daí vem alguém e lhe dá um banho de tecnologia de ponta (“feita pelos japoneses”, “pelos americanos”… nunca por chilenos, por exemplo). E os 30 tênis serão reduzidos para uns 5 modelos. É um combo matador: personalização com tecnologia. Como resistir? Você pode até não saber ou se fazer de esperto, mas quando faz um teste, você já foi fisgado, caiu na armadilha da loja e do fabricante.

“É bem mais fácil convencer o cliente a gastar dinheiro depois de fazer um teste de pisada. Você tem que se questionar eticamente.”
Resolvi escrever esse texto após parar em uma análise das questões éticas em se fazer um teste tão precário (eu mesmo desconhecia um estudo que associa um maior risco de lesão ente aqueles que fizeram o teste!). Como um profissional da área (fisioterapeuta ou ortopedista) pode trabalhar com esse tipo de equipamento sem infringir um limite ético? E na mesma semana, ironia do destino, acabei em outro post. Seu humor e sua graça estão justamente em seu fundo de verdade: um teste de pisada confirma que o consumidor precisa de novos tênis, novas meias, novo quebra-vento e um relógio novo.
A única resposta possível para “qual o melhor tênis para minha pisada?” é “um par para os pés e outro para as mãos”
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Sempre me intrigou as meias de corrida, vem gravada qual é de cada pé? O que acontece se usar invertido? vou perguntar pro especialista da loja… rs
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desconsidere primeira interrogação kkk errei pontuação, acho que estou com meia invertida hj…
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HAHAHA… boa! eu sempre as uso de modo totalmente aleatório, muitas vezes ao contrário, a da direita no pé esquerdo e a da esquerda no pé direito, e de vez em quando uma delas ainda no avesso.
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Baluarte, tu esquecestes do Rainha System. Aquele que vinha com aquela porra daquele disco de plástico. Lembra não? Do caralho, eheheheheh. Ei pô, nada, nada, creio que tenha sido o precursor da tecnologia de amortecimento. Menção honrosa à Rainha?
Abraço!
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Belíssima lembrança! Tive uns 6 desse!!
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Tinha um Adidas que tinha 3 canais transversais no calcanhar e voce podia escolher entre 3 tipos de pinos, dos mais moles aos mais duros, para colocar. Não lembro nesse tinha nome, mas lembro de ver na Olimpíada de 1984 como o maior lançamento ano.
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Esse eu não tive, mas lembro dele em revistas antigas da época!
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M-2000 Propulsion
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Eu tive um M 2000 !
Mas não corria naquela época, era só por style mesmo.
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Outro dia fui na Procorrer e tinha um cliente fazendo o teste de pisada.
Uma esteira, um monte de câmera e o vendedor falando trocentas coisa.
E o cliente todo empolgadão se sentindo atleta e já afim de levar o tênis mais indicado para o caso dele, que coincidentemente deve ter sido um dos tênis mais caros da loja…
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É por isso deu tanta comoção quando o Edu Suzuki serrou um tênis da Asics no meio pra verificar se havia ou não o raio do gel ou coisa parecida…
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Simmmmm
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Balu, eu também comecei assim. Fiz teste de pisada e tals e ia comprando o mais caro mas, como não tinha grana e nem certeza de que de fato iria me engajar na corrida, a vendedora teve pena de mim e levei um mais barato, o chamado atualmente de intermediário.
Depois, com o tempo de atividade e experiencia, acabei percebendo que o calçado bom é o que eu gosto e é confortável, ou seja, não “aparece” durante a corrida. Hoje, prefiro e é somente por gosto mesmo, algo leve, flexível, forma mais larga, drop baixo somente porque está na moda e principalmente, barato.
Dá para entender o que acontece quando começamos. É um senso de pertencimento, estou equipado pois é só pagar por isso. Melhorar o desempenho requer esforço, treino, dedicação e isso é outra história. Meus tênis nunca melhoraram meu desempenho em nem um mísero milésimo de segundo. Por incrível que pareça era só a dedicação que fazia isso.
Vou fazer um paralelo com essa história para ficar mais simples. Eu tenho uma guitarra Ibanez RG bem bacana, não é a top de linha mas também não é a de entrada. Coloquei uns captadores porretas e tals.
É a guitarra da maioria dos meus ídolos do metal. Pronto ! Só falta tocar agora…. pergunta como é meu desempenho ? Tô aprendendo de novo a escala maior, pentatônica, acordes tríades, riff da Smoke On The Water. Coisa básica mas…. estou muito bem equipado, obrigado.
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Ah ! O lance do excesso de opções atrapalhado a escolha chama-se Paradoxo da Escolha: quanto mais opções temos mais difícil a escolha.
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Não lembrava o nome. Pior que já vi o estudo das geleias mais vezes do que comi geleia.
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É MUITO legal a questão do pertencimento. Não exige esforço. Mto fácil…
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