A atração da Classe Média pela corrida e triatlo tem explicação. Pouco nobre, mas tem.

Um dos temas que mais me fascinam é a atração maluca que pessoas das classes sociais mais altas têm por sofrer pagando caro em eventos de longa duração. Visto friamente, esse fenômeno não faz sentido algum! Um texto da Outside cobre parte do assunto. Pesquisa americana revela que Maratona é um dos eventos mais baratos (dentre os mais longos) e que o triatlo nos EUA é repleto de gente endinheirada (média salarial de R$30.000/mês). Para efeito de comparação, entre os corredores americanos, 75% deles ganham menos da metade do que ganham esses triatletas (R$12.000/mês). Isso me faz lembrar um dos meus primeiros talentosos companheiros de treino cujo apelido era Mordomia. Seu esporte: triatlo.

Esses números parecem ter MUITA lógica… esses atletas amadores possuem melhor nível educacional que a população e por isso sabem das vantagens da prática esportiva na saúde. Mas muito mais do que isso: eles conseguem arcar ($$) com ela. Por terem mais dinheiro conseguem pagar o treinamento e acesso aos locais para prática. Os melhores locais de treino são geralmente mais próximos dos bairros com melhores índices sócios-econômicos. É muito fácil para mim ir treinar no Ibirapuera ou na USP. E isso por sua vez é bem mais complicado para quem mora no Capão Redondo, que ganhou fama nacional nas letras dos raps do Mano Brown. É mais fácil correr nas praias da Zona Sul ou da Lagoa Rodrigo de Freitas para quem ganha bem no Rio de Janeiro e não precisa enfrentar horas de ônibus descendo o morro.

E para mim o que mais me atrai ainda é outra explicação: quando você participa desses eventos, você sinaliza materialmente à toda a sociedade que você é bem-sucedido, que você pode pagar 4 dígitos por um tênis que não chegará ao 2º semestre (*e aí em breve volto a escrever do porquê como fabricante você não tem vantagens em vender seu produto mais barato). É de certa forma bom para a pessoa dizer que ela vai tentar bater uma marca pessoal bancando uma viagem. Você joga para o campo do habitual aquilo que para o não tão bem-sucedido é a exceção (férias programadas). É a corrida-ostentação.

E quando você se volta para entender o outro lado (a população mais pobre), você descobre que ela não tem próximo à casa dela parques bons (qual foi a última vez que você foi a um deles na periferia?). O cidadão de menor renda tem que passar mais tempo em deslocamento (pela maior distância) e usando transporte público precário (para piorar nossas cidades são desenhadas favorecendo os carros dos mais ricos, não os ônibus dessas classes mais baixas).

Não à toa o corredor brasileiro tem essa obsessão de correr eventos caros… não importa quantas provas gratuitas ou com inscrição mais baixa você ofereça…. o corredor de menor renda, tal qual o de maior, tem atração é pelo luxo, pelo caro, pelo exclusivo. É mais um sinal que você dá a quem o vê. Por quê? “Quem gosta de pobreza é intelectual”. Mesmo o de menor poder aquisitivo quer mais do que só correr, ele quer correr no Ibirapuera a prova que custa R$150.

O texto da Outside não cobre ainda outra faceta: pega bem no ambiente de trabalho fazer provas longas. Esses profissionais, o que é uma grande bobagem, seriam mais disciplinados. Quantas vezes você não teve que perder tempo escutando o gerente ou o diretor se exibindo de suas conquistas atléticas das quais você nunca perguntou?

Chega a ser paradoxal, pois esse tipo de pessoa procura (pagando caro!) por um sofrimento do qual ele foge em sua hora de folga usando carro com ar condicionado e uma casa toda equipada. Na real, buscam nessas corridas e triatlos um sofrimento que lhes faltaria. Mas não sem antes deixar bem claro a todos que o fez. Ou ainda, para fechar, você já deve ter ouvido falar do seguinte dilema: você correria uma Maratona se não pudesse contar a ninguém?

Eu duvido.

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17 pensamentos sobre “A atração da Classe Média pela corrida e triatlo tem explicação. Pouco nobre, mas tem.

  1. PaC disse:

    pois é… no mundo todo esporte não é direito e sim privilegio de poucos. Bairros ricos são caracterizados por ruas largas, arborizadas, com menor fluxos de carros e áreas verdes (praças e parques), já os pobres tem maior taxa populacional (mais pessoas morando em menos espaço) ruas estreitas, sem árvores e áreas de lazer… sobrando somente aquele campo de várzea. Imagina quantos atletas perdemos por pura falta de oportunidade.

    Indo agora para as polêmicas dos pipocas de prova.. será que as provas não deveriam ter um cunho social? O que é gasto para fechar as ruas com todo apoio que a prefeitura/CET dá não é pago integralmente pela organização. Vejo que se as provas destinassem algum percentual de participação para projetos sociais e pessoas carentes, melhoraríamos a vida dessas pessoas excluídas nestes bairros.

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  2. Excelente texto! Em um mundo aonde a ostentação do que se faz ou do que se tem é mais importante do que qualquer coisa, a corrida não poderia ser exceção.

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  3. ymgch disse:

    já corri 2 maratonas, meu maior incentivo para corrê-las foram o desafio de terminar e a novidade de correr no meio de monte de gente. falar para os meus colegas não me animou muito, mesmo porque no meio em que vivo, correr é esporte de mané. nunca entenderiam porque me disporia a sofrer tanto para não ganhar nada (dinheiro).

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  4. Carenina disse:

    Massa! Perfeito texto! 🙂

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  5. Marcos Paulo disse:

    Quem nunca vivenciou isso? Uma “ostentaçãozinha” de leve? Fulano falando que vai correr a Run Over Run de Sampa, do Rio ( isso porque ele, o fulano, mora no “eixo” Norte/Nordeste, sacou?), sicrano que comprou o Âisiquis Turn Over End por R$ 899,99 numa liquidaçãozinha (o cara é humilde, né?). Dependendo do meio parceiro, isso ocorre todo dia… Afinal, cara, alguém tem que ser notado, não?
    Valeu Baluarte…!!! Dedo na ferida, porra…!!!

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  6. Matheus disse:

    Olha só que texto perfeito para o que você prega, Balu:https://inversa-newsletter.s3.amazonaws.com/newsletters/2017/newsletters/gritty/investir-correr-20170811.html
    “Rotina e disciplina executadas consistentemente por um prazo longo levam à perfeição. A perfeição nesse caso é um limite pessoal. Cada indivíduo tem seu limite. Não perca muito tempo lendo qual a melhor maneira de treinar para correr, simplesmente corra. Mas se você corre como profissão, não faz sentido correr se não estiver entre os melhores.”

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  7. Fernando Correa disse:

    O texto é ” quase” perfeito. O quase fica por conta do final….. Corro maratonas e assim como o ymgch não conto para ninguém que não seja corredor e pois estes não sabem a diferença de 5 km ou da ” maratona de São Silvestre”. Qualquer coisa que eu falar vai ser entendida como um feito incrível, então prefiro não falar nada.

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  8. Hélio Shiino disse:

    Minha opinião em cima de uma inexpressiva amostragem ou não tão inexpressiva assim…

    “Um dos temas que mais me fascinam é a atração maluca que pessoas das classes sociais mais altas têm por sofrer pagando caro em eventos de longa duração.” (Danilo Balu)

    Muitas pessoas dentro dessa amostragem são de uma faixa etária entre 30 e pouco e 40 e poucos anos que durante a sua adolescência-juventude não tiveram a oportunidade de fazer uma viagem à Disneyland® porque seus Pais não tinham recursos financeiros para tal.
    O Desafio do Pateta, por exemplo, é a realização tardia desse sonho de outrora. A Corrida em si é apenas um pano de fundo para concretizar aquele desejo e outros mais.
    (As Organizadoras, cada vez mais, tem sido colaborativas para que o Evento da Corrida seja um Grande Entretenimento de Fim de Semana!)

    Uma grande parte dessas pessoas abriram mão de constituir uma Família Tradicional em troca da “Liberdade”.

    “Mas muito mais do que isso: eles conseguem arcar ($$) com ela. Por terem mais dinheiro conseguem pagar o treinamento e acesso aos locais para prática” (Danilo Balu)

    Quem “entra de cabeça” no Mundo da Corrida e prioriza a quantidade de participações do que a qualidade de cada participação, chegará a um ponto em que “a conta não baterá”!

    Exemplo: Você ganha X mas gasta 1,5X. Seu capital de giro decrescerá mês a mês até que você “entrará no vermelho” acabando na bancarrota.

    Há também aqueles que, sabidamente, se voluntariam ao Processo de “Trainee para Promotor de Vendas” em troca de benesses. Inscrições em provas, vestuários, calçados, acessórios, suplementos, passagens, hospedagens etc.

    “É mais fácil correr nas praias da Zona Sul ou da Lagoa Rodrigo de Freitas para quem ganha bem no Rio de Janeiro e não precisa enfrentar horas de ônibus descendo o morro.” (Danilo Balu)

    Acredito que melhor seria trocar o “descendo o morro” por “vindo da Baixada”.
    Explico.
    Geograficamente falando, a Cidade do Rio de Janeiro se resume em um pedacinho de terra onde brotou povoados em torno de Morros. Morro temos em todos os lugares até mesmo na Zona Sul, ou seja, é possível ir a pé por alguns minutos para se deslocar de Morros até as Praias de tão perto em que se localiza um do outro.

    “Não à toa o corredor brasileiro tem essa obsessão de correr eventos caros… não importa quantas provas gratuitas ou com inscrição mais baixa você ofereça…. o corredor de menor renda, tal qual o de maior, tem atração é pelo luxo, pelo caro, pelo exclusivo. É mais um sinal que você dá a quem o vê.”.

    Penso que isso seja o reflexo da “Síndrome do Adolescente Perpétuo”!
    A pessoa vai onde está a multidão.
    Onde está a multidão estará apontando os holofotes.
    É a necessidade doentia de ser notado, de ser elogiado…

    =====
    A minha percepção diz que, de tempos em tempos, há um entra-e-sai de “Messias da Corrida”.
    Sou capaz de visualizar o surgimento de cada um desses, onde passa por um platô e termina em uma descendente.
    Corredor-zumbi é tão “fiel” naquele que o hipnotiza.
    Se você se propôs a ser um Running Influencer, se prepare para um aposentadoria compulsória e meteórica onde te jogarão no limbo e no ostracismo. E quando isso acontecer, nem a Corrida, dita terapêutica, te resgatará do fundo do poço…

    “O ser humano é tão apaixonado pelo sistema e pela conclusão abstrata, que é capaz de fazer-se de cego e surdo somente para justificar sua lógica.” (Fyodor Dostoyevsky, in Memórias do Subsolo)

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  9. […] de que tomamos decisões baseadas sempre e principalmente de forma racional. Ledo engano. Tal qual o texto que falei na 2ª feira e que foi interpretado por alguns como de esquerda (só quem me conhece bem sabe que estou LONGE de […]

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  10. Fernando Saldanha disse:

    Me permita discordar. Achei tudo uma grande besteria.
    Tem determinados esportes que tem um custo maior natualmente, como golfe, e será praticado por um perfil sócio econômico.
    Também não veja nada demais de alguém, que possq, gastar x reais em um item, seja qual for.
    Tendo a auto estima em dia não entendo como ostentação.
    Entendo qur o importante é ser feliz, manter a forma, aliviar o stress, da sua maneira, com o seu bolso.

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  11. Qayin disse:

    Vim procurar quem falou que o autor era esquerdista, mas ou não foi aqui ou ele ta se vitimando. Pessoal concordou ou discordou apresentando argumentos descentes

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