Um pouco mais de “Os corredores amadores estão mais lentos”…

Na semana passada escrevi um texto falando de uma longa análise do site dinamarquês Run Repeat (RR) com dados de 35 milhões de resultados de provas americanas que concluía algo que parece já não ser de todo surpreendente: os atuais corredores AMADORES estão cada vez mais lentos. Isso é observável quando olhamos para os anos 70, 80 e mesmo 90. E é um fenômeno não necessariamente americano. De 2014 para cá com meus cálculos das velocidades medianas das provas brasileiras de 21km e também 42km o padrão é similar: o tempo de conclusão sobe cerca de 2 minutos por ano na Maratona e metade disso na Meia Maratona.

Uma análise similar já foi feita no Canadá (na tradicional Tely 10, prova quase centenária de 10 milhas). A imagem abaixo é com os dados dos 1.000 melhores tempos masculinos. No período da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) apenas a edição de 1939 foi realizada. Mas é nos anos 80 e 90 que predominam mais marcas rápidas, ainda que a prova e o mercado de corrida só faça crescer. Depois disso será que a “comercialização” da corrida teria piorado os tempos fazendo com que a elite amadora se dispersasse em outros eventos?

Talvez nunca saberemos.

Distribuição masculina: interrupção durante a 2a Guerra e anos de ouro entre 80 e 2000.

Porém, quando olhamos aos dados femininos (abaixo), que conta com tempos a partir de 1969 (1ª edição), a maior parte das melhores marcas é de 2.000 para cá, um sinal claro de que a corrida vai ganhando força (em quantidade e qualidade) entre as mulheres. É o tal do fator social da inclusão feminina no esporte que só chegará a um empate técnico nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2020), 124 anos após a 1ª edição do Jogos!

Distribuição Feminina: ocorre desde 1969, mas melhores marcas concentradas a partir de 2.000.

Podemos dizer que o pico masculino passou e o feminino ainda há de chegar? É pura especulação.

A queda da velocidade média é bem simples de se explicar por um lado. Como a corrida tem atraído muitos iniciantes, ao entrarem no cálculo da média, é natural que eles façam com que essa velocidade caia. Acho que não há quem vá discordar. Mas como explicar a queda também entre os amadores mais rápidos? Eu tenho um palpite, já o pessoal do RR parece ter outro.

Como eu havia dito no texto, acredito demais na mudança da perspectiva que temos hoje da corrida; a vemos mais como uma terapia, um hobby, como algo muito mais social, em detrimento do desempenho. Já o RR tenta de forma ousada calcular o peso da epidemia de obesidade e diabetes nessas médias. Não me convencem 100%, mas têm um ponto interessante!

Eu gosto de usar o exemplo do boliche, que entre os 50 e 70 viveu seu auge. Quando conseguiram popularizar pistas mecanizadas, os “gênios” da extrapolação calcularam que dali em diante o mundo todo passaria a só jogar boliche, porém se esqueceram de combinar com os russos. De lá para cá o boliche só decai. O mundo muda, as preferências também. Para mim ESSA é a similaridade com a corrida!

Vivemos hoje em um mundo tão dinâmico, com TANTA coisa lutando por nossa atenção que muita gente abriu mão de se dedicar tamanho tempo por semana a uma atividade que para se desempenhar melhor você precisa justamente de muita paciência, dedicação e tolerância ao desconforto e sofrimento. É mais fácil trotar os mesmos 21km do vencedor e ganhar mais likes se você for descolado nas redes sociais. Por que tentar o mais árduo se uma opção muito mais fácil tem maior valor agregado socialmente?

E não há mal algum nisso! Porém, isso explica muita coisa.

Por fim, desdizer o que eu não disse.

Além do especulado pelo RR, fiz questão de reforçar algo: como em uma atualidade com fabricante de produtos, treinadores e nutricionistas dizendo que hoje temos serviços e produtos tão melhores, nossas lesões não diminuíram, estamos mais obesos e o desempenho só cai?

Lembremos, uma associação NÃO pode provar causa/consequência, apenas gerar hipóteses. Eu NÃO posso dizer que tempos mais fracos são sinais de produtos piores. E eu nem acho isso! Porém, é a FALTA DE ASSOCIAÇÃO que pode tirar a força de uma hipótese. Ou seja, tempos piores e a MESMA frequência de lesões ao longo das décadas tiram a força do argumento de que hoje os tênis e serviços (treinamento e nutrição esportiva) são melhores. Para quem acredita em qualquer coisa prometida, deixo apenas uma pergunta: fossem os tênis atuais mais “rápidos” ou mais protetores e fosse você o fabricante deles, por que não (com)provar isso em vez de apenas prometer?

Concorda? Fosse seu produto capaz de reduzir as lesões, dar maior amortecimento ou melhorar o desempenho, por que guardar a prova desta informação apenas para você, seus funcionários e a propaganda? Será que essa gente entrega o que diz? Os resultados não só NÃO dão suporte como reforçam a desconfiança.

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5 pensamentos sobre “Um pouco mais de “Os corredores amadores estão mais lentos”…

  1. Rafael disse:

    Pra mim a resposta é essa
    “Vivemos hoje em um mundo tão dinâmico, com TANTA coisa lutando por nossa atenção que muita gente abriu mão de se dedicar tamanho tempo por semana a uma atividade que para se desempenhar melhor você precisa justamente de muita paciência, dedicação e tolerância ao desconforto e sofrimento”.

    temos futebol na tv ás 21:45 da noite (pouco tempo pra dormir). Restaurantes, atrações, shows …

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  2. Paulo disse:

    Concordo que hoje existam muitas outras “atrações” além da corrida, mas também existem mais atrações dentro da corrida. Antes haviam poucas provas e talvez o indivíduo se preparasse para aquelas poucas no ano, além disso, ao que me consta não havia muitas com distância superior à maratona. Hoje as ultras são comuns. Eu me lembro que não me importei nem um pouco com minha queda de velocidde em provas curtas quando comecei a treinar e correr ultramaratonas. Gostei delas e essa queda de rendimento nas distâncias mais curtas nunca fez diferença para mim. Se eu não tivesse opções acessíveis de provas longas perto de casa, talvez ainda estivesse focado nos 10km, 21km, e naturalmente mais rápido.

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  3. Henrique disse:

    Balu é complicado definir se a lesão foi causada pelo calçado ou pelos demais fatores. Para que a empresa que já fatura milhões vai querer essa dor de cabeça, que talvez aumente a despesa dela com advogados?

    Acho que a escolha do calçado está associada ao conforto, veja a atitude que tomei a uns 40 dias.

    Sempre segui as orientações de youtubers/blogueiros/revistas… que é dado como verdade absoluta no mundo da corrida:

    – Tênis com mais amortecimento (distâncias longas);
    – Tênis com menos amortecimento (intervalados, tiros, treino de limiar).

    Acontece que NO MEU CASO, achei mais prudente fazer o CONTRÁRIO!!!! Como nos treinos de maior velocidade meu pé era mais judiado, usei tênis com mais amortecimento(Nike Free RN Distance). Já nos treinos longos e provas, como o ritmo é mais leve usei com menos amortecimento(Skechers Go Run Ride 5). Tem dado certo e sinto menos incômodos.

    Obs* Nunca usei tênis da categoria “competição/performance”, pela experiência acredito que não teria conforto suficiente.

    Abs

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  4. msanches35 disse:

    Continua dando Ibope a um lixo de pesquisa e achando que 35 milhões significa algo. Impressionante. Como eu já disse, para que vc tire boas conclusões vc precisa controlar a variabilidade. Uma m*rda de base de dados dessa contém corridas e corredores e temperaturas e elevações e distâncias e precisões e umidades e altitudes e piso e chuva e vento e you name it… tão variados que no final das contas vc só consegue fazer o que vc tá fazendo – calcular uma média e uma correlação geral e especular. Amostra grande é boa para detectar efeitos pequenos e irrelevantes, se a amostra for boa, senão nem isso.

    Vc está errado, causa é uma associação, e associação pode ser evidência de causa. Quando vc tem um experimento aleatorizado e vc acha uma associação, ela é forte evidência de causa. ‘Provar’ é uma palavra forte, mas em muitos casos vc pode considerar que provou causalidade. Evidência de causa também vem de associações mostradas em bons modelos, como o de que fumar causa câncer, possivelmente com evidência adicional externa.

    Agora, quando vc acha uma pesquisa lixo, ela não prova nada mesmo. Vc só pdoe usar ela para avançar a sua agenda.

    Igualmente a falta de associação não tira a força de uma hipótese se essa falta de associação vem de um monte de dados encontrado na internet, coletado sem planajemento, sem controle de qualidade, como é o caso. Vc sabe porque os tempos estão piorando, e espera que ele piore ainda que treinamento e nutrição tivessem efeito positivo, ou negativo. Isso porque o efeito de treinamento e nutrição é esperado ser menor do que os que fazem o tempo piorar, porque muitos atletas amadores não take advantage dos melhores treinamentos e nutrição, porque a variação de performance entre atletas é muito grande. Como eu disse anteriormente, para vc achar o efeito do treinamento e nutrição vc tem que controlar as outras coisas. Especialmente se o efeito for pequeno. Da mesma forma que os dados não mostram que treinamento e nutrição são ruins, eles não enfraquecem a teoria de que são bons. Na verdade como esses dados são lixo, eles provam ou disprovam muito pouca coisa. Vc pode dizer que enfraquecem a teoria de que efeito de treinamento e nutrição são ‘enormes’, mas é complicado definir ‘enormes’.

    A verdade é que vc tem 35 milhões de dados, mas eles são tão inúteis que o seu conhecimento e experiência oferecem mais evidência de que treinamento e nutrição não funcionam, ou tem efeito negligível, do que esses dados. Só que vc sabe que a sociedade é ignorante e ficam de boca aberta quando vêem dados porque pensam que é ciência, então vc usa os dados, que não oferencem evidência nenhuma, como fundamento para a sua opinião, que por si só oferece mais evidência que os dados.

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  5. […] é um dos temas que mais me atraem, vocês já sabem (já falei aqui e depois aqui no blog)! Os mais iludidos com o avanço da “ciência” vivem alegando que hoje o treinamento é mais […]

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