Há um ditado que diz que todo dia um malandro e um otário saem de casa, se eles se encontram sempre dá jogo. Faça o seguinte exercício: entre nos principais portais de corrida, abra as principais revistas de corrida, ouça o que dizem os maiores “influencers” da corrida. Eu aposto com toda segurança que você irá encontrar dicas “essenciais” de suplementos, palmilhas, bebidas, tênis, equipamentos e gadgets.
Porém, quem fala maravilhas do tênis não revela que ele não paga por um faz um bom tempo. O especialista em Nutrição não irá revelar que ganha bola para vender whey protein. O YouTuber não vai dizer que a empresa de suplemento paga para que ele fale como é essencial suplementar. O treinador não vai revelar que sua assessoria ganha isotônico para ele reforçar o quão essencial é a hidratação a cada treino. O ortopedista não vai dizer que ganha porcentagem a cada palmilha personalizada que ele recomenda. E o influencer não vai dizer que sua única fonte de informação sempre foi o release feito pela própria empresa que o presenteia de tempos em tempos.
Os tempos atuais, com internet e redes sociais, fez explodir como nunca um fenômeno antigo, mas que assumiu proporções incríveis na corrida. O bro-science (sem tradução literal) é uma expressão típica de musculação que atribui a casos anedóticos contados por “brothers” mais peso e credibilidade do que teriam evidências mais sérias, resultado de pesquisas e estudos.
Para cada fisioterapeuta que te empurra uma palmilha ganhando porcentagem sem revelar essa informação, há um nutricionista que diz que 76% de carboidrato é a proporção ideal para quem quer correr bem. Ou seja, não se pode também atribuir sempre à má fé o que pode ser atribuído puramente à incompetência. E no meio da corrida, assim como nas outras áreas, não nos falta muito dos dois. Por vezes, se convergem.
E eu acredito muito nessa conversão. Um misto de ignorância com benefícios e má fé. É a ignorância conveniente.
Arrogância, ingenuidade, ignorância. Há de tudo um pouco. Mas isso acontece por 2 motivos principais a meu ver. O primeiro é a teoria do otário saindo para mais um dia de vida. O malandro vive de enganá-lo. O malandro detecta pelo cheiro quem ele consegue enganar. E é assim há milhares de anos.
E há, arrisco eu, um segundo grupo, o maior deles, aquele que ainda não entendeu ou insiste em não querer entender como funciona a corrida e quase tudo mais na vida: não há almoço grátis. É uma busca por atalhos, por querer as coisas de um jeito muito fácil (e aí abre um mundo de oportunidades aos malandros), é uma tentativa de querer decorar uma casa antes de erguermos as paredes, é querer colocar cereja em um bolo que nem sequer foi ao forno ainda.
Um melhor desempenho na corrida, insisto sempre em dizer, passa sem nenhuma perda de prejuízo, por um longo processo (de consistência, dedicação, volume e paciência) sem a necessidade de tecnologias de tênis, suplementos, equipamentos caros e/ou especiais e equipe de apoio. Porém, não existe bom desempenho com tudo isso só que SEM o tal longo processo (com consistência…).
O debate sobre acessório e um maior conforto até cabe, não faz mal a ninguém, desde que não seja protagonista, central no processo. Não podemos perder o foco achando que há um jeito fácil que mais ninguém saberia. Quando alguém tenta te convencer do contrário ou é por ignorância, ou ingenuidade, ou arrogância ou por pura má fé mesmo.
De vez em quando eu fico aqui me matutando como e quando a Corrida de Rua se tornou o que é hoje.
Acredito que o pessoal das antigas – aqueles que não foram contaminados – pode responder isso com mais autoridade.
Em que época +/- deve ter acontecido a “quebra”?
As oportunidades surgem e o astuto aproveita.
Caberá ao consumidor fazer juízo do produto/serviço que lhe é apresentado.
Outra.
Posso estar enganado, mas parece que só no Mundo da Corrida, dentre todos os esportes, é que se abriu esse mundo de oportunidades com tanta diversidade. Nunca se “inventou” tanto para a “melhora” na prática de um esporte. (Imagino o quanto de criatividade deve ter para emitir releases com tamanha variedade de “benefícios” sem que uma seja cópia da outra)
O que dizer quando se vende Suplementos em Lojas de Produtos Naturais e se encontra Bebidas Esportivas na mesma gôndola de Águas Minerais…??? É a banalização do que é Comida e Bebida!
É o Boom do Mercado de Produtos/Serviços que oferecem Prazer ao Consumidor!
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Falou e disse Balu. Tem uma galera aqui que corrobora o que tu dissestes. São eles: Bernardinho, Cristiano Ronaldo, Stephen Curry, Serena Willians, o saudoso Ayrton Senna, Oscar Schmidt (o mão “santa”, risos), Paula, Zico (o chamado “craque” de laboratório, vejam só…), Usain Bolt, e mais uma boa galera que suou bastante, porque talento só não faz verão…
Por outro lado, há aqueles casos de efemeridade né não. Mas não precisamos aqui tratá-los (só sei que é muita gente também…).
Em todo caso, ninguém chega a algum lugar senão levantar a bunda. Ainda bem, né?
Abraço clandestino!!!
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Excelente e esclarecedor.
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Ótimo. Você colocou neste post o argumento central: corrida é treinamento, o resto é acessório, mas se o acessório te dá conforto para o treinamento, ok, apenas não confunda as coisas.
Acho isso fundamental, pois para os amadores o conforto é importante, e é por isso que os malandros se aproveitam
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Eu diria que na Fisioterapia isso vai muito além das palmilhas.
Dizer que tem que aplicar “choquinho” pra diminuir a dor, antes de se iniciar exercícios ou atividades específicas é uma forma de “enganar” as pessoas. Aplicar várias condutas inúteis enquanto a história natural “trata” a dor ou lesão é outra. O problema é que, para o próprio profissional, o trabalho de se formar é árduo. E não sem obstáculos. Se formos ver os cursos diversos que estão por aí, aliados à própria má formação de professores universitários (dando ensinamentos tremendamente equivocados aos futuros profissionais) passamos a entender um pouco melhor porque, na Fisio, isso acontece (e imagino que em várias profissões da saúde).
É triste, é lamentável… e também difícil de se solucionar.
Haja trabalho.
Abraços,
Claudio
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Na minha opinião, o ato de correr não pode ser considerado esporte. Esta muito além disso pois a corrida nos ajudou, de certa forma, chegar até aqui.
A corrida esta gravada no DNA e é tão simples e tanta gente se adapta tão bem a esse ato que se forma um universo (grande) de pessoas. Nesse momento, o mundo capitalista (que é ótimo), enxerga uma oportunidade de criar mercado.
É difícil, mas eles tentam incansavelmente porque existe muita gente que corre.
Os produtos e serviços oferecidos são inúmeros e mudam ano após ano.
As pessoas que correm, até entendem que correr é simples e que não precisam de muita coisa, mas todos os outros esportes tem produtos e serviços sendo vendidos e ao invés do corredor ficar orgulhoso de não precisar comprar nada, ele se sente inferiorizado e é induzido por um meio a comprar algo mesmo que ele nunca vá usar ou não tenha finalidade.
É só massa de manobra seguindo uma boiada que não sabe pra aonde esta indo.
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“Um melhor desempenho na corrida, insisto sempre em dizer, passa sem nenhuma perda de prejuízo, por um longo processo (de consistência, dedicação, volume e paciência)…”
Endurance running=Corrida de resistência. Mas endurance tem outra tradução/significado que é persistência, ou seja, bem na linha da afirmação acima.
Uma pergunta recorrente que me fazem sobre meu ato de correr descalço é se ele melhorou meu desempenho (i.é, se corro mais rápido). Respondo que sim, mas não pelo fato das “pesquisas” dizerem que ao tirar massa dos pés melhora até 4% na “economia de corrida”. Melhorou porque sem os tênis consegui treinar com mais consistência e maior volume. Com tênis não havia consistência, eram duas semanas de treino por uma semana completa de descanso para as dores diminuirem!
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