Tempo atrás escrevi um dos meus textos preferidos, o Treinandus Poucus Demasiadus Papus, onde falo do que realmente importa no treinamento de corrida. Quem se ilude ou se deixa enganar com gráficos, luzes, releases, pseudociência e números, acha que há – desculpe o termo e segurando a minha risada – algum legado a vir no treinamento de corredores maratonistas daqui pra frente.
Então… QUAL LIÇÃO TIRAMOS?
No fundo no fundo, NENHUMA. Basicamente não há absolutamente nada que foi aplicado sábado passado que já não soubéssemos há pelo menos algumas décadas. O que houve em Monza essencialmente foi uma prova de que algumas das estratégias adotadas realmente funcionam (como os marcadores de ritmo) e que nada é mais decisivo, mais protagonista que o corredor. E neste, nada mais determinante que o treinamento de corrida. Quem mudou sua abordagem sabemos hoje que era teimoso, não vanguardista.
SOBRE CORRER
Correr é sobre correr, e é isso o que Eliud Kipchoge mais faz. Trecho retirado do site do próprio evento diz aquilo que apenas alguns fan-boys insistem em não ouvir:
“Correr é tudo. Eles não levantam pesos. Ou fazem ioga. Eles simplesmente correm. Para correr rápido você precisa correr. (…) Geralmente, os corredores deste nível de elite não são flexíveis, contrariamente ao que alguns podem pensar, a pesquisa sugere que menos flexibilidade tende a ter uma correlação com um melhor desempenho. A teoria é que as pernas mais rígidas perdem menos energia. Como uma mola rígida, que armazena e libera muito mais energia do que uma mais frouxa.”
Enxadristas jogam xadrez, corredores correm. Não há fisioterapia preventiva, não há musculação, não há atividade complementar. Quer correr bem? Dedique-se à corrida. Volume (de corrida) é “tudo”! Não à toa ele gira mais de 200km semanalmente. Mais tempo nadando são menos quilômetros rodados. Você será um nadador melhor, um maratonista pior. Ponto.
SOBRE TREINAMENTO
Outro ponto é a individualização do treinamento. Qual treinador não gosta de ouvir isso, que soa melhor a ele do que uma Sinfonia de Beethoven? É como se ele tivesse a capacidade de criar uma nova metodologia a cada novo atleta, não que ele use uma receita de bolo já definida há tempos e que a vá adaptando conforme a capacidade de absorção, necessidades e/ou a resposta do corredor.
Correr é o esporte mais simples que existe. Kipchoge, o melhor de todos os tempos tem uma rotina metódica, quase aborrecida de tanta mesmice. Uma vez por semana (às 3as) lá está ele fazendo 13 tiros de 3 minutos com 1 minuto de pausa. Não há malabarismos criando sessões diferentes dia a dia. Isso é coisa de amador chato que enjoa fácil e de treinador que acha que variações de estímulo em quem já treina pouco traz grandes vantagens.
Nos demais dias o queniano treina MUITO lento, ou faz um treino do tipo Tempo Run (moderado) e um Longo.
DIETA e NUTRIÇÃO
Simples, básico, natural. É isso. Variedade é algo MUITO sobrevalorizada na nutrição normal e assim o é na nutrição esportiva. Não deve haver um nutricionista “especialista” da turma dos idiotas pró-ativos que não peça para você variar a dieta. Já entre os quenianos e etíopes, os melhores corredores do mundo, a dieta é – como dito – simples e com comida de verdade. Suplementos? Eles não sabem o que é. BCAA, whey protein hidrolisado? Deixe isso para quem se arrasta no asfalto. Quem corre forte come é comida simples sem variar muito.
TECNOLOGIA e TÊNIS
Kipchoge nunca havia corrido em esteira. Ele nunca havia feito até então teste de VO2. Ele não usa GPS. Preciso falar mais? Vocês sabem bem o que eu acho de exame médico obrigatório… É um mal. Além de não fornecer NADA que lhe seja essencial no treinamento.
Outro ponto que vinha acompanhado de muita especulação, expectativa e mesmo ansiedade era o quanto o tênis iria ajudar os atletas. Por meio de cálculos sabemos agora que o benefício era tão baixo (ou nulo ou mesmo negativo) que toda a pompa de que era um tênis resultado de anos de projeto simplesmente não vale o que custa. Os cálculos que nos dão essa conclusão é o que nos leva ao último ponto, a maior lição aos teimosos…
MARCADORES DE RITMO E QUEBRA-VENTO
Pouca coisa me irrita mais do que ver atleta correndo “sozinho”, encarando o vento em prova. A Nike não reinventou a roda. Qualquer atleta inteligente sabe que é melhor correr escondido, atrás dos adversários. O que o evento nos possibilitou foi mostrar o QUÃO importante vácuo é. Cálculos mostram que Kipchoge teria corrido 2h02:18 SEM os coelhos. Por isso que passa a ser interessante você às vezes correr BEM PERTO e com atletas que estão LEVEMENTE mais fortes do que você, isso irá te proteger do vento e dar o incentivo moral, além de tirar de você o peso e custo de ditar o ritmo. Essa foi a lição mais clara que pudemos rever sábado. Mas não há NADA disso aqui acima que já não soubéssemos. Tivemos, sim, foi um grande reforço positivo. Mas legado mesmo, provavelmente nenhum.
“Outro ponto que vinha acompanhado de muita especulação, expectativa e mesmo ansiedade era o quanto o tênis iria ajudar os atletas. Por meio de cálculos sabemos agora que o benefício era tão baixo (ou nulo ou mesmo negativo) que toda a pompa de que era um tênis resultado de anos de projeto simplesmente não vale o que custa.”
A Nike tem outra opinião.
New Running Shoe Reduces the Energetic Cost of Running
http://www.abstractsonline.com/pp8/#!/4196/presentation/10832
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E tem gente paga por eles que acha que sem o tênis Kipchoge teria corrido 2h07. É mto mau caratismo….
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Sim, penso exatamente como você. A Nike simplesmente criou mecanismos para diminuir drasticamente a resistência do ar e também dar o ritmo artificialmente – carro/laser.
É muuuito mais fácil correr escondido do vento e não tendo que se preocupar com nada, apenas seguindo o ritmo dos coelhos.
O boss da Nike deve ter falado pro Kipchoge: Não se preocupe com nada, vai lá e segue os coelhos. Nós colocamos o raio laser no chão, eles seguem o laser e vc segue os coelhos, não pense em mais nada. Eles só vão te deixar sozinho nos últimos 300 mt.
E foi assim.
E se quiserem baixar de 2 horas vai ter que ser assim, ou com mais quebra vento ainda e mais coelhos talvez.
Em maratona oficial ? Nunquinha. Na minha opinião vai demorar muito ainda pra fazer 2:02 baixo.
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Está bem próximo do 2h01-alto. Do sub-2h estamos longe demais…
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Não consigo não pensar no filme “Truque de Mestre”, lá mostra como criar uma ilusão… grande evento, muitas luzes, tudo muito bonito pra desviar atenção do que realmente está acontecendo… Belo espetáculo!! E Kipchoge salvou o dia…
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Os outros corredores fizeram 2h06 e 2h14. Se o terceiro atleta não fosse o Kipchoge, acho que a Nike ia interromper a transmissão com problemas técnicos para não ficar muito feio haha.
E achei decepcionante você não mencionar os manguitos e aquela fita na perna. Faltou mais daquilo para sair o sub 2 horas. 😀
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Hahaha manguito foi dureza… Os adesivos ninguém sabe nem explicar…
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Sou adepto desse pensamento de que para correr bem é preciso correr mais, mas meu corpo e o joelho começaram a discordar. Aí comecei a incluir bicicleta e pilates para não ficar parado. Só que acho que meus dias de recordes pessoais serão apenas lembranças. Vou criar novos recordes baseado na data da lesão do menisco. Até 2015 é uma coisa e a partir de 2016 é outra haha.
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Minha opinião quanto aos outros 2 corredores. Mesmo com todo o esquema, eles não tinham a menor condição de correr perto do 1:59:59 (somente o Kipchoge tinha essa condição). Talvez eles conseguissem algo entre 2:02 – 2:04 (com todo o aparato). E correr por muito tempo no ritmo de sub-2 fez com que o Tadese quebrasse e o Desisa quebrasse feio. Se fosse feito tudo para o ritmo que eles aguentassem, imagino que também baixariam seus tempos em 2 minutos.
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O problema é que o Tadese não chegou nem na metade. Mto feio…
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Excelente texto, Balu! Assino embaixo.
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estava acreditando, em planilhas, gráficos e
resolvi treinar pouco (3x) intervalado, tempo run, longo, e esses treinos bem forte. e pedalar nos outros dias.
e pra minha surpresa, meu desempenho caiu.
o incrível, é que apenas com 1 treino a mais por semana (esse treino sendo leve)
minha marcas melhoram muito.
pq isso?
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Muito bom o texto, Balu. Quanto ao artigo citado pelo Leonardo além de conflito de interesses o número de participantes foi pequeno e a distância de 5 km também
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