Batman, O Cavaleiro das Trevas e a Corrida

Já bem na parte final do ótimo “O Cavaleiro das Trevas” (2008), Batman em um dos melhores discursos do filme diz que a verdade às vezes não é boa o suficiente, que às vezes as pessoas merecem mais, que elas precisam ter sua fé recompensada. Em outra fala clássica do cinema, Jack Nicholson grita em um julgamento: você não pode com a verdade!

Várias vezes vejo assim mesmo na corrida… O corredor merece não a verdade… ele precisa é ter a fé dele recompensada.

Já disse aqui outras vezes, a corrida é o esporte mais simples que existe. Por sua fácil mensuração, que já dura séculos, muito já foi testado, parece haver muito pouco a ser inventado. Quase tudo o que você tentar fazer, inventar ou criar, alguém já tentou antes. Os resultados na corrida são sempre lentos, consequência de muita disciplina, volume, dedicação, paciência, constância. Não há atalhos. E eles já foram tentados tantas vezes e de tantas formas…

No último mês me peguei tendo quase nada a postar aqui no blog. Cada vez menos acho que haja textos de alta qualidade para recomendar. Por quê? Queira ou não acaba sempre apenas parecendo um pouco mais do mesmo, textos requentados. Fico sempre achando que os portais de corrida têm que se comportar como as antigas revistas de meninas adolescentes: chamadas bobas na capa e conteúdo que tem que se repetir na íntegra a cada – o quê? – 6 meses. Menstruação, primeiro beijo, a Boy Band do momento, acne. A corrida, tal qual nessas revistas, não tem conteúdo original que possa ser criado em um esporte tão simples, tão básico, tão lento. Resumidamente, uma revista mediana de corrida em nível de escrita não é em nada melhor do que uma Toda Teen.

E um dos recursos na corrida passa então a ser valorizar a espuma, não o café. Para correr basta um tênis qualquer, shorts e camiseta (por convenção social). Nem treinador (muito menos formado ou com CREF) é necessário. De equipamento basta um marcador de tempo digital qualquer. Todo o resto é espuma. Assim como para ficar MUITO forte você precisa apenas de uma barra livre com peso nas pontas, para correr MUITO BEM você precisa apenas disso.

No outro extremo, se a academia tem equipamentos maiores que uma geladeira frost-free, você sabe que só usam esses equipamentos os sujeitos mais fracos de sempre. Na corrida, quem usa bosu, fit ball, pranchas de instabilidade e equipamentos modernos são os que correm menos ou os mais lentos. *O monte de brinquedinho que Alberto Salazar comprou para seu pomposo projeto descobriu-se que não era ciência, era disfarce dos verdadeiros métodos ilegais que hoje a maioria está certo que ele usava.

Lembre-se: ciência e corrida NÃO andam lado a lado. A corrida está na absoluta maioria das vezes sempre à frente, a ciência vem quase sempre depois, apenas tentando entender e explicar o que aconteceu.

É por essa lentidão da corrida que quem vive de escrever dela acaba comprando essas histórias de novidade inócua. É para recompensar a fé do corredor que busca um atalho que não existe, que acha que há muita novidade que funcione. Obviamente há aquele que escreve acreditando por crença honesta, que por não entender muito do gingado, acredita que de repente podemos quebrar a barreira das 2 horas na Maratona logo mais. *Outro adendo: entender de matemática, de história e de fisiologia da corrida… Se a pessoa entende de 2 qualquer desses 3, ela SABE que a quebra das 2h na maratona demora MUITO. Se ela acha que a quebra acontece em breve, é porque com segura certeza não entende bem de 2 desses 3.

E talvez por isso é também cada vez mais comum em portais e revistas ver gente nova (na corrida) escrevendo. Talvez tenham mais fé. Talvez porque acreditem mais em releases (ou essas sejam suas únicas fontes de informação). Não importa, fazem o que é bom para revistas: geram conteúdo em um esporte que por sua natureza se transforma muito devagar. Assim a máscara que imita o treino em altitude de hoje dá espaço à nova bebida esportiva mágica de amanhã. E o corredor que busca atalhos tem sua fé recompensada. A verdade de que tudo isso, igual a um aparelho de musculação do tamanho de um Fusca, nunca funciona seria duro demais para ele. Ele quer, precisa e prefere acreditar.

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*Sometimes the truth isn’t good enough, sometimes people deserve more. Sometimes people deserve to have their faith rewarded…

**You can’t handle the truth!

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30 pensamentos sobre “Batman, O Cavaleiro das Trevas e a Corrida

  1. Tim Bittar disse:

    Ola Balú, gosto muito do teu blog, no começo te acava meio xiita, mas aos poucos fui convencido em muitos dos teus pontos, acho que a discussão saudavel faz muito bem, e você defende os teus pontos de vistas com bastante propriedade.
    Moro nos EUA e assino a Runner’s World aqui, kkkk, é muito o que você falou, se eu pegar uma edição do ano passado acredito que acho a mesma reportagem 🙂
    Muita frescurite com corrida hoje em dia, não só no Brasil onde o exagero predomina, mas aqui também com o apelo comercial. Frescuras de +drop, -drop, mais peso, menos peso, no final das contas use aquilo que te da conforto e va correr por 2 ou 3 horas em um longão de domingo.
    Jeito certo de correr, jeito errado de correr, é tanta abobrinha que cansa, respeite o próprio corpo e limites, assim a corrida é bacana.
    Estou voltando de lesão e não vejo a hora de poder correr de novo, por enquanto ler mais sobre o assunto é o que tenho, por isso, poste mais cara, voce sempre traz coisas bacanas.
    Abraços!

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    • Danilo Balu disse:

      Obrigado! Olha que acho a RW (EUA) sensacional! Eles fazem jornalismo de 1a qdo querem…. mas é duro vc ter que publicar mensalmente… daí vira uma revista comum. É que lá dentro quase sempre tem coisa de primeira! Mas pra fechar uma revista tem que enrolar enrolar… Mas o ótimo deles compensa o ruim! Esse lance de drop é um exemplo ótimo que vc deu… overthinking que dá preguiça rsrsrs

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  2. Diego Santana disse:

    Grande Balu. Leio sempre seu blog e entendo e concordo com 99% do que você publica aqui. So queria trocar 2 dedos de prosa sobre a maratona sub2. Entendo bem de matemática, pouco de história e quase nada de fisiologia. Mas sobre esse projeto, imagino que não seja algo tão absurdo. Matematicamente, os corredores têm que baixar pouco mais de 4s por km pra alcançar o objetivo. Será que nas condições ideais isso não seria possível em curto prazo? Por exemplo, com o nível máximo de descida, condição climática perfeita, coelhos, quebra de arrasto, todos esses fatores não poderiam resultar na “corrida perfeita”? Acho que ia ser bem legal um post seu mostrando seu ponto de vista. Grande abraço!

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    • Danilo Balu disse:

      Acho que perdi o bonde e o timing dessa discussão porque já faz um tempinho que a acho aborrecida rsrsrs agoa acho que não cabe mais um post…. talvez mais perto da prova da Nike… “Matematicamente, os corredores têm que baixar pouco mais de 4s por km pra alcançar o objetivo.” 4seg é pouco depende de qual lado da porta do banheiro vc está… 4seg/km é uma melhora de mais de 2%… maior do que o Bolt, maior atleta do século, colocou nos WRs…
      “Será que nas condições ideais isso não seria possível em curto prazo?”
      E quem controla tudo? Descida de 42m, temperatura baixa, umidade adequada, vento adequado, atletas NO seu dia… tem que combinar com os russos! Temos provas assim anualmente e AINDA ASSIM estamos mto longe… Ainda que os astros estivessem alinhado, é mto, mas MUITO improvável que batam a marca. A gente não consegue sequer garantir um WR, quiçá 3min de WR…
      Até onde sabemos o projeto da Nike está dentro das regras da IAAF e o ensaio se mostrou que está tudo mto distante… a menos que inventem um tênis Dick Vigarista, não dá nem pra apostar que caia o WR…

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  3. Gostei das analogias com os filmes. Concordo com o ponto de vista.
    Destaco ainda que a fé em coisas que se distanciam da verdade ou não “entregam” (para usar o termo mercadológico da modinha) o que prometem podem distanciar o indivíduo não atleta da atividade principal, a corrida! Pois, mais cedo ou mais tarde ele se verá frustrado por não conquistar seus objetivo e não ter a mínima ideia do que lhe faltou, já que seus amuletos (ou muletas?) e seus patuás não lhe permitiram lograr o êxito esperado. Não vai perceber que faltou volume, faltou aprender a bater o pé no chão, faltou entender a atividade.
    Em outras palavras, a fé nas muletas e não nos KMs pode, no fim, afastar o crédulo corredor que diz gostar de corrida. Mas não há de ser nada, sempre teremos os missionários vendendo a salvação pelas muletas e sempre novos fieis.

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  4. Uma colocação simples como deve ser a corrida: muito, muito bom esse texto. Parabéns

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  5. Mauro Leão disse:

    Teve um “entendido” que disse que logo cairá esta sub2 porque o ser humano não tinha sido desafiado… Ano inteiro os malucos tentam quebrar o recorde mundial (com muito incentivos $$$) e escutei que faltava era só lançar o Desafio… era assinante de revistas mas realmente é dificil ter materias de qualidade sempre. Aí teve uma que foi mais pro lado Mens Health que corrida… “follow the money”

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  6. Koda disse:

    Não importa se o recorde será ou não batido, o mercado só fala nisso. O marketing está funcionando e independente da marca que os três façam na tal prova todos vão continuar comentando. Trabalhei 10 anos em um site de corridas e é realmente impossível reinventar a roda. Mas, assim como a cada dia adolescentes viram adultos e deixam de consumir as revistas teen, na corrids também temos renovação. Sempre teremos público novo querendo consumir corrida.

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  7. Rafael disse:

    Balu, aproveitando o pitaco das sub2h. Os grandes maratonistas são mais “maduros”. Isso decorre da necessidade de rodagem? Tirando o fato de que um corredor jovem rápido em distâncias curtas (10 km, 15 km, meia maratona) deve aproveitar o momento para ganhar o máximo que conseguir nessas provas e sobreviver, se ele focasse na maratona não conseguiria ser mais rápidos dos maratonistas acima de 30? Essa dúvida surgiu no corrida no ar quando disseram que a pessoa deve aproveitar que é rápido e correr provas curtas e só depois a maratona.
    Para mim só vejo o sub2h no curto prazo se aparecer alguém muito acima da média como a katie ledecky, senão a marca vai ser quebrada na progressão atual, um ano baixa 5 seg, 5 anos depois baixa 10 seg. até o sub2h levando anos e anos.

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    • Danilo Balu disse:

      Tem alguns atletas jovens com boas marcas na maratona (2h04-2h05). Acho que é mais questão de tentarem do que conseguirem. No atletismo nem uma melhora como Bolt quebraria as 2h00. Óbvio que um talento de outro mundo pode baixar as 2h00, mas quem alega que a marca cai fala que isso não é preciso.

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  8. Fausto Flor Carvalho disse:

    Belo texto, Balu…Concordo que as revistas acabam falando mais do mesmo…Nesse quesito, dou uma menção honrosa a Contra Relógio que republica algumas matérias identificando isso, ao invés de requentar a matéria sem dizer isso ao leitor…
    Quanto ao recorde, realmente é improvável demais por todas as questões já apontadas…Mas a discussão em si acho que já é positiva, pois estimula ainda mais a quebra dos recordes

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    • Danilo Balu disse:

      A CR realmente no Brasil é a melhor. Só discordo que o debate da maratona ajuda… Na verdade acho que não muda 1mm a “situação” rsrs

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    • Julio Cesar Kujavski disse:

      O que estimula a quebra de recorde é $$$$.

      Essa “discussão” de sub 2 horas é boa pra indústria esportiva vender material.

      Tem até um adesivo da Nike que os atletas usaram no teste que em tese ajuda a quebrar o vento. colocaram nas pernas do atletas.

      Já estou até vendo o tal adesivo daqui a alguns meses nas corridas das estações da vida, vai ajudar o pessoal correr 10 km abaixo de 1 hora… he he he

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      • Danilo Balu disse:

        A motivação vai na direção dos incentivos. Faz tempo que havia dinheiro pra se correr rápido. Não basta só pedir, tem que pagar. Não adianta adesivinho …

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  9. Isabel Lopes disse:

    Oi Danilo, eu comecei a correr a pouco tempo, mas comecei a evoluir muito depois que entrei em uma assessoria esportiva, com acesso a um treinador. Eu acho que precisa de treinador sim, ajuda demais.

    E eu passei a comprar e revista Runner’s que tem me ajudado muito com dicas, e o seu blog também me auxilia, pois fico atualizada e consigo conversar nas rodas dos corredores.

    Enfim, só espero que você fique sempre escrevendo e não pare nunca, quanto a repetição das notícias, é bom porque água mole em pedra nunca tanto bate até que fura.

    Escreva sempre, mesmo repetido. A gente agradece!

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    • Julio Cesar Kujavski disse:

      Mas no começo qualquer um “evolui”.

      Bastam alguns meses de qualquer tipo de treino meia boca que um antes sedentário evolua absurdamente.

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  10. Isabel Lopes disse:

    O ditado que quis postar é: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

    E outra coisa, quando comprei um relógio for runner e passei a controlar meu pace, foi muito bom porque passei a administrar minhas passadas.

    Estou mega feliz com meus apetrechos e super recomendo.

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    • Danilo Balu disse:

      Estou longe de achar que treinador não ajude… Acho a Runner’s original (a dos EUA) espetacular…. Mto boa mesmo! A CR a nossa melhor. A RW (Brasil) tem tb coisa boa, mas daí tem que garimpar bem….

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  11. Ciro disse:

    Balu….. vc acha que a pessoa que vai correr a maratona abaixo das duas horas, ja nasceu?

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    • Danilo Balu disse:

      Se ela não for um ET, um freak, pra mim ainda não.

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      • Rogerup disse:

        Se não nasceu ainda, então o sub-2 demoraria pra cima de 25 anos. Eu não acho que demore tanto. Aliás acho que teremos tanta mudança tecnológica (singularidade está chegando) nos próximos 15 anos que fica difícil fazer previsões em qualquer área. O ser humano não se alterou nos últimos 100 anos, o que fez com que os recordes fossem batidos foi a tecnologia (melhores treinos, melhor alimentação/suplementação, periodização, pistas, vestimentas, “doping”, …), a tecnologia também auxilia na maxificação do esporte abrindo mais chances de se achar talentos e também na detecção desses talentos.

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      • Danilo Balu disse:

        A tecnologia (ou a ciência, o que vc escolher) pouquíssimo ajudou na longa distância. Treino é empiricismo puro. Alimentação? Vc sabe qual a dieta dos melhores do mundo? Suplementos? Sabe o que tomam os melhores do mundo? Pistas? É na rua. Etiopes e quenianos só pisam no tartan pra competir. As pistas são as mesmas faz 15 anos. Periodização? Está aí algo que NÃO temos evidência clara de que seja assim tão fundamental (já postei aqui no blog um estudo fantástico disso)… Vestimenta? Qq estudo preguiçoso mostra que qto menos, melhor. Massificação? A industrialização de países africanos só DIMINUI a oferta de talentos. Doping? Esse, sim, é a única coisa (ao lado de um cisne negro freak) que pode acelerar. Demora mais de 20 anos.

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      • Rogerup disse:

        Só pra deixar claro, tudo que citei seria uma referência a ganhos de poucos minutos pelos top-top-elite. Claro que essas coisas não fazem a menor diferença para um corredor que vai baixar seu tempo de 5 horas para 4 horas na maratona e depois para 3 horas, (para baixar 1 hora o cara precisa é treinar muito mais). Mas imagino que se não fosse por essas coisas que citei (ciência/tecnologia) o recorde estaria mais alto, por exemplo em 2h10 (esse tempo é um chute qualquer para um valor acima do atual – Imaginando os recordistas recentes usando tênis e roupas antigas, dieta feita pelos atletas antigamente, treinos evoluídos 100% por empirismo, sem nenhum estudo mais detalhado, …). Então digamos que isso tudo gerou uma diferença de 7 minutos, talvez com um salto nas tecnologias (materiais, novos treinos, dietas, …) se consiga mais 3 minutos. Minha aposta é antes de 2035 (menos de 18 anos).

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      • Danilo Balu disse:

        Acho que vc não entendeu… Ciência & Tecnologia não ajudaram em NADA substancialmenre na melhora do WR da maratona… São 3 coisas que melhoraram (não na ordem): doping, entrada dos africanos no cenário competitivo e incentivo financeiro (que responde em parte pela entrada dos africanos). A dieta não mudou. Os tênis não mudaram (o peso é o que impacta um tênis atrapalhar menos, e os tênis NÃO estão mais leves, pelo contrário, os amadores em um delírio coletivo pagam para correr com tijolos). A dieta não mudou. A suplementação não mudou. Roupa não impacta porque depois que inventaram o sintético (metade do século passado), ela não mudou. O que mudou de 70 pra cá é o doping, $ e africanos. Só. 3-4% não é um ganho marginal fácil. Pergunte a quem corre contra o Bolt!

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      • Rogerup disse:

        O que estou querendo mais ou menos dizer é que (acredito que) se os grandes atletas de outras épocas tivessem nascido nessa geração, os tempos deles seriam similares ao recordes atuais. E que os grandes atletas de hoje teriam seus tempos 3 minutos mais baixo se nascessem 15-20 anos depois.

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      • Danilo Balu disse:

        Se as 2h vai ser quebrada em 15, 18 ou 28 anos NINGUÉM sabe. Meu pto (chute) é que demora +20… A menos que haja trapaça (tênis com auxílio), neste ano não cai.

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      • Danilo Balu disse:

        Outra coisa… Por que os brasileiros, americanos, britânicos, franceses, japoneses de hj NÃO são mais rápidos que os de 15-20 aos atrás??

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