Uma das frases mais legais sobre corrida é da apresentadora americana Oprah Winfrey. É algo como: a corrida é a maior metáfora da vida, porque você tira dela o tanto que você colocou.
A beleza da frase está justamente na simplicidade que exige de quem corre há um tempo em poder concordar e entendê-la de cara. Já falei aqui no Recorrido algumas vezes: esqueça qualquer métrica moderna ou fisiológica de treinamento, para descobrir quem é melhor entre dois corredores semelhantes nada é mais revelador do que os volumes de treinamento. Isso tem muitas limitações, obviamente, mas nada parece ser mais garantido: treinou mais quilômetros, chegará na frente.
No extremo oposto das modalidades olímpicas, talvez nada melhor do que o futebol para exemplificar o que há de mais imponderável no esporte. Um drible, um frango, um árbitro equivocado ou mal intencionado e voilà, temos um novo improvável vencedor. Nenhum outro esporte permite com tamanha frequência que o pior time vença o melhor. E talvez resida aí boa parte de nossa paixão por ele.
O fato é que nos prendemos na mentira auto-aplicada que diz que no esporte a vitória é sempre do melhor ou do mais preparado. Tentamos tirar o enorme peso da sorte na determinação do vencedor. Em uma espécie de crença que faz sobreviver parte de nossa dedicação ao treinamento, preferimos achar que para tudo há uma explicação plausível, mérito, jamais acaso.
Pela segunda vez acompanhei um “bolão draft” de apostas olímpicas. Nele, os participantes têm que prever 16 medalhas de ouro, ganhando pontos correspondentes ao resultado final do atleta ou equipe escolhida. Acertou, ótimo! Se for outra medalha, ganha-se menos pontos. Fora do pódio, punição.
O índice de acertos de medalhistas é de 40% no ouro e 30% prata ou bronze. Isso me parece bem bom. Porém, 30% de atletas considerados favoritos fora do pódio para mim é um número altíssimo!
Há três coisas a se enfatizar. Primeiro é que os apostadores têm ou tiveram no mínimo um bom envolvimento com esporte competitivo em algum momento da vida. Segundo, são na maioria administradores, economistas e engenheiros que conhecem bem mercado financeiro, risco e casas de apostas (o uso de informação delas, aliás, é livre!). E por último, e talvez o mais importante, é que esse bolão vale um razoável dinheiro, ou seja, há um enorme estímulo para se acertar!
Não importa o quanto o apostador tenha estudado antes do evento, o aproveitamento de pontos ia de 68% (vencedor) a 18% do último colocado! Você pode achar que a pessoa não entende muito de esporte (pode até ser isso mesmo!), mas quando você recorre ao que foi dito ANTES dos jogos em 4 dos mais especializados sites de corrida e atletismo do mundo, você vê que suas chances de acerto são perto de desoladoras. Runner´s World, FloTrack, Athletics Weekly e Track & Field News erraram feio MUITA coisa. Se você recorre apenas aos sites de aposta (PaddyPower, Sky Bet…), gente profissional que vive de acertar e que entende MUITO de probabilidade, sua chances NÃO melhoram muito.
O mercado de corrida hoje é repleto de gente fornecendo métricas de treinamento. Antes usávamos apenas volume e ritmo. Passamos então a adotar a frequência cardíaca (de treino, em repouso, pela manhã..) e o lactato. Depois fomos aumentando a coleta de mais dados (ritmo durante todo o treino em gráficos lindos), altimetria, umidade, composição corporal…
Quanto mais o mercado de corrida cresce, mais profissionais aparecem querendo “monitorar sua evolução”. Como ouvi dia desses em um comentário, “há corredores amadores com um entourage”. Eles têm treinadores (no plural), personal trainer, nutricionista, fisioterapeuta, massagista. Todos esses prometendo “acompanhar seu treinamento”, oferecendo um “controle da evolução” de uma forma que não são jamais capazes de fazer com total garantia.
Vivemos uma época em que queremos ter o controle de tudo o que nos cerca, como se isso fosse possível. Treinamento não deixa de ser isso: é trazer para si, através da dedicação com o esforço físico voluntário, aquilo que você controla, ainda que sejam talvez 2/3 do resultado final, deixando todo o resto para aquilo que não conhecemos, não sabemos, não controlamos ou não compreendemos direito.
Quem acompanha esse espaço aqui sabe o que eu acho de muita informação prometida: ela serve para quase nada. Na verdade nem informação é, são apenas dados, e “dado” é tudo, menos necessariamente informação. Em grande quantidade eles mais confundem, por darem uma equivocada sensação de confiança, do que ajudam.
Na próxima vez que você for ao treino, lembre sempre que controlar seu ritmo a 5´05”/km e não a 5´10”/km é o tipo de preocupação desnecessária justamente porque ainda não sabemos muito bem qual a diferença de um ou outro no processo de treinamento. Você está em dúvida se o próximo longo tem que ser 30km ou 32km? Não tenha. Não sabemos ainda qual e o porquê um seria melhor. E talvez nunca saibamos! Não há NENHUMA SUGESTÃO de que hoje com uma equipe multidisciplinar caríssima saibamos uma vírgula a mais do que está por vir em nossa próxima prova.
Enfim, se apegar ao fino (ritmo, volume ou indicadores sanguíneos, sempre nas últimas casas), é achar que controlamos as coisas. Contratar mais gente para dar e olhar dados é como pesquisar casas de apostas para acertar um resultado que vamos errar, pois não temos muito controle. E por mais investimento que coloquemos (dinheiro ou pesquisa nessas mesmas casas de apostas), uma das coisas que torna o esporte apaixonante é que, por mais que queiramos acreditar, no final no final você não necessariamente terá de volta aquilo que investe. A eterna incerteza é a graça do apostar.
Apostei no bolão do Corrida no Ar baseado muito nas eliminatórias, nos tempos do ano e no Mundial de Atletismo do ano passado. É complicado acertar em cheio, mas com isso dá para acertar a maioria dos pódios, principalmente nas distâncias com favoritos mais destacados, tipo 100, 200 e 400 metros. Mesmo assim, nada é garantido e a gente fica em 9º na reta final. Tipo cavalo paraguaio haha.
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Só aposta quem tem dinheiro (ou crédito). Assim como só arrisca vencer quem treina.
Aliás, sobre esse excesso de controle de dados de treino, alguém precisa pedir para parar aquele projeto sub2h na maratona. Nem que seja pelo medo do ridículo. Apenas parar. E ir passear no bosque, pegar um ar.
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“No extremo oposto das modalidades olímpicas, talvez nada melhor do que o futebol para exemplificar o que há de mais imponderável no esporte. Um drible, um frango, um árbitro equivocado ou mal intencionado e voilà, temos um novo improvável vencedor. Nenhum outro esporte permite com tamanha frequência que o pior time vença o melhor. E talvez resida aí boa parte de nossa paixão por ele.”
O problema não está no futebol em si e muito menos nas suas 17 regras. É o seu modus operandi que teima em transpirar entre o polêmico e o folclórico.
Explico.
Já assistiram a um jogo de tênis? Conte quantos fiscais existem. E ainda tem o tira-teima.
Já assistiram a um jogo de vôlei? É o Tira-teima entrando em ação.
Atletismo? Você tem câmeras e mais câmeras. Salto e distância não dá o seu veredito sem um tira-teima se queimou ou não na última pisada antes da decolagem.
Esgrima não se contenta com o “olhômetro”. Tem o sinalizador eletrônico de toque no oponente.
Poderia ficar horas e horas citando vigilância nos esportes.
O que está fora do alcance a curto prazo na decisão, é caso o atleta esteja dopado.
Voltando ao futebol. É um esporte que pede para ser polêmico pois fazem nada para tirá-lo deste constante processo de ilusão de ótica para os telespectadores.
Bolas em gol, de fora para dentro das redes porcausa de rede furada.
Gols de mão, em impedimento,…
Penalidade máxima ocorrida fora da área.
Faltas inexistentes marcadas ou existentes não marcadas.
Impedimentos não marcados. Não impedimentos marcados.
Bola que saiu ou não saiu.
Mesmo sabendo que é possível acontecer essas e demais aberrações, o futebol é o esporte número 1 do Brasil.
Será que o Brasileiro se identifica tanto com o futebol porque é o único esporte que se pode manifestar a malandragem transgredindo as regras, sendo recompensando, e se gabando ao longo da história????
Qual outro esporte ganhamos através do “jeitinho” brasileiro????
Só mesmo tomando outro 7 X 1 para nos colocar no nosso devido lugar.
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Esse paralelo do futebol com o Brasil é interessante!!
Tirar o erro de arbitragem ajuda, mas não tira boa parte do imponderável dele.
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