Running with the Irish*

Esta é minha 2a temporada treinando aqui em Dublin. Já posso dizer que aprendi bastante com eles e também sobre o jeito deles correrem. O frio e o clima são bem duros e sempre acho que sabendo enfrentar isso, o atleta tem muito a ganhar. Mas a metodologia deles também é muito boa, não à toa, mesmo com uma população pequena, têm uma história de enorme destaque e protagonismo na longa distância! Muito maior do que nós, por exemplo, que vivemos de raros talentos isolados.

A primeira coisa que notei aqui, não custa reforçar, é que eles tratam a corrida como um esporte muito básico. Corrida é tecnicamente o esporte mais simples que existe. Basta muita paciência, dedicação e força de vontade.

51YvjUa5StL._SX321_BO1,204,203,200_Quando falo em simplicidade, falo em ir direto ao ponto mesmo! Não tem aquecimento elaborado (2 ou 3km correndo leve e só), não tem “espera meu GPS achar o sinal”, não tem alongamento (nem antes nem depois), não tem hidratação, não tem debates de tênis, não tem equipamento, fit ball, não tem suplementos, não tem nada. Nada. Chegou, aqueceu, vamos ao que interessa!

A segunda coisa impossível de não se notar é o valor aos tiros. Não tem mimimi, não tem muito tiro de média intensidade. Entrou na pista, vai doer. Os lentos correm rápido e os velozes correm ainda mais rápido. É o jeito deles de trabalhar velocidade, coordenação, Vo2máx, limiar anaeróbio… tudo! Historicamente tem dado certo.

Eles dividem os atletas em grupos, mas poucos grupos. Quando são “de 10 a 12” tiros, você sabe que vão fazer 12 (praticamente todos) ou 10 quem estava machucado ou teve/tem competição. Os grupos vão se formando de acordo com o ritmo, mas ficam entre 3 a 5. Ou seja, muita gente junta e pouquíssima variação nos tempos!

No Brasil criamos a ideia sobrevalorizada da individualidade biológica, cada um teria que ter a sua planilha, o seu treino, o seu ritmo, a sua pausa. Bobagem! Treinador brasileiro tem pavor de ouvir a expressão “receita de bolo” quando o treinamento do amador É e DEVE SER, SIM, uma receita de bolo. E um dia falo com calma o porquê é assim e o porquê que tem que ser assim.

A planilha é ridiculamente generalizada (“50 a 60 minutos rodando”), os tiros são geralmente de uma a duas vezes por semana. E eles correm com folga muito mais rápido que a gente. Por quê? Basicamente por 2 motivos.

O primeiro é que rodam muito. Treino leve são 50 minutos. Meu primeiro dia, há meses sem tiros, era 12x600m. Você tem que correr muito, ainda que seja lento (mas não na pista!). Eles querem que você rode. Sem medo.

Start-Line-800x456O segundo é porque simplificam. Treino individual no amador para eles (e para mim) é overrated (desculpe o anglicismo). Você fica bem na fita com o aluno que paga seu salário, mas é fumaça, muito investimento, baixíssimo retorno. O que te faz correr bem é volume de corrida, baixo peso corporal e paciência. Se receita fosse perigoso, haveria um genocídio em massa nos EUA (e na Europa), país que consome livros e revistas com planos e fórmulas generalizadas de treino.

E tem mais, nas férias, a orientação é: rode. Quanto? Quanto você quiser. É loucura? Lógico que não. O iniciante não consegue rodar mais volume ou em ritmo mais forte do que deveria. O avançado já tem bom senso e experiência. A natureza e seu pulmão garantem que você não vai fazer bobagem. O treinador aqui te trata como adulto e a corrida como ela é: o esporte mais simples que existe. Eu gosto disso.

*o nome do post eu roubei do nome do belo livro Running with the Kenyans.

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15 pensamentos sobre “Running with the Irish*

  1. Julio Cesar Kujavski disse:

    Gostei Balu.
    Bem esclarecedor e motivador pra mim que ontem fiz o meu primeiro treino da temporada.
    Vou tentar lembrar desse texto durante o meu ano de treinos.
    Treinar mais e mimizar menos.
    Até já mudei meu treino de hoje, seriam 8 km leve, vou fazer 10 km um pouquinho mais forte.. rsrs….

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  2. Daniel disse:

    Legal, espero mais textos sobre os Irishs Runners!!!

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  3. Samaroni de Sousa Maia disse:

    Que texto excelente, simples e objetivo, como você encara a corrida. É a sua cara Balu. Ótimo para começar a semana, sem treinador, sem planilha, sem rumo.
    Abraço!
    Samaroni Maia

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  4. Adolfo Neto disse:

    Dúvida: você está fazendo uma generalização a partir de uma pequena amostra que você tem ou você conhece vários grupos de corrida por aí? Ou ainda, a Irlanda é tão pequena assim que uma pequena amostra é o suficiente?

    Digo isso porque se você for ao Parque Barigui, aqui em Curitiba, nos sábados vai pensar que todo corredor curitibano se alonga, tem planilhinha individual, usa fit ball, etc. Mas pela minha amostra maior (e ainda insuficiente) de hoje em dia, eu diria que a maioria dos corredores de Curitiba não tem assessoria, não segue planilha, não usa fit ball, corre quando dá, não faz tiros e leva a aguinha deles para os treinos sim, mesmo que seja só uma horinha no frio.

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    • Danilo Balu disse:

      “meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante”… treino num grupo, já treinei em outros 2, já pesquisei ainda outros. O próprio grupo atual tem uma turma meio pré-3a-idade que faz seus treinos pocotós, sem tiros, e se saem bem. Não existe generalização que abrace 99-100% dos irlandeses, brasileiros ou qq coisa que seja.

      Sim, a Irlanda é pequena, mas não que eu a conheça toda… tem MTA gente que se alonga, que só corre com tijolo nos pés, tem até parkour que vc achou! Falo dos grupos com gente que quer fazer tempo (ou não), running club, “assessoria”… é o meu visual. Só isso. É anedota do que eu aprendi e vi, não texto antropológico sobre atletismo na Irlanda.

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  5. Ralph disse:

    2 treinos de tiro por semana, os outros dias leves de 50 a 60 min… Quantos dias (resto dos dias ? um dia de descanso ?) Isso se aplica a maratonistas amadores por aí ?

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    • Danilo Balu disse:

      1 tiro na semana, o 2o treino forte geralmente é tiro na subida (hills) e 1-2 descansos (total) por semana. Nunca menos que 45min por rodagem. Os maratonistas fazem o MESMO treino, só rodam mais no longo. Meu 1o dia na equipe nova já me chamaram pra um 20km básico.

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  6. Jose Nilson disse:

    Tem um Ultramaratonista e treinador aqui em Santos que sempre fala: Que correr bem, rode muito e sem frescuras.

    Belo texto

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  7. alvarotimbo disse:

    Quando falo aos meus amigos que a “rodagem” é que separa os homens dos meninos eles não acreditam. Agora compartilharei esse link por ai, só assim vão ver que a famosa receita de bolo, funciona muito bem.

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  8. Rafael disse:

    Balu, aguardando ansiosamente seu post sobre planilha “receita de bolo”. Procuro sempre um treino individualizado.

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  9. Fernanda disse:

    Balu,
    Belo texto. Estou lendo este post meio atrasada mas quem sabe ainda em tempo de relatar minha experiencia. Moro na Alemanha (numa cidade com 200.000 habitantes) aqui é tal qual aí na Irlanda. Não tem essa de planilha individulizada, nem fit ball, nem aguinha, nem o “coach” incentivando. O povo vai lá e corre, roda e roda. Se você não quer correr sozinho o pessoal tem um ponto de encontro. Uma vez lá os grupos cujos integrantes têm um pace parecido rodam juntos.
    Em geral você não paga nada e quando paga a quantia é razoável (algo em torno de 25 € por trimestre).

    Bom carnaval,

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  10. Thiago disse:

    Balu, se der escreve sobre outras coisas boas também, tipo a fabrica da Guinness!
    http://etilicos.com/visita-a-guinness-factory/

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  11. […] alguns treinos muito bons, mas muitos treinos mais ou menos. Já falei aqui também duas vezes: primeiro da “metodologia irlandesa” que é nessa pegada e também sobre volume “ser tudo” na corrida! Tudo! Reforço: correr alguns […]

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  12. […] na Europa, como disse tempo atrás aqui, na Irlanda, Reino Unido e tantos outros países por lá, nos treinos dos running clubs (as […]

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