O que a Irlanda me ensinou 2. Ou: por que 4 anos para correr??

Ontem falei do que aprendi sobre corrida aqui na Irlanda. Porém, o que mais me chama atenção é a diferença de como o brasileiro é paternalista quando o assunto é saúde & corrida. Nem questiono o fato de muitos profissionais de Saúde que trabalham com corrida tentarem fazer o treinamento transparecer como sendo algo complexo, que requereria um acompanhamento minucioso. Isso, logicamente, serve para valorizar a quem vende o produto. Mas corrida é justamente o esporte mais simples que existe em sua prática e essência.

Se fosse complicada como dizem, os americanos morreriam às dúzias diariamente porque lá é fortemente promovida a prática com treinamento autodidata, à base de livros não-técnicos e sem ninguém obrigatoriamente tendo que estudar NADA para ser orientador. Por outro lado, se fosse por uma questão de desempenho e não segurança, os africanos seriam ruins e a classe média brasileira traria medalhas olímpicas. É o que acontece? Não mesmo…

risk-management1Toda e qualquer entrevista com Treinador ou Nutricionista Esportivo cairá no mesmo parágrafo de encerramento: devemos procurar um profissional formado, habilitado, registrado, blábláblá. Dá sono. É alguém tendo que nos lembrar de que ele seria fundamental. Se precisam nos lembrar disso, é porque já perdeu essa condição.

Não há exagero maior nessa ideia equivocada de necessidade por um profissional formado e habilitado. Esse profissional não te dá NENHUMA garantia extra. Nenhuma. Se alguém duvidar, que traga antes qualquer evidência. Qualquer uma. E esse é um pilar à crítica quanto à regulamentação. Eles exigem reserva de mercado sem riscos, mas se um dia provado que fazem mal, a categoria não será, com todo o direito, extinta. E não custa reforçar que não provaram que fazem necessariamente bem.

O TRAJETO DA HABILITAÇÃO

Sabe o que você precisa fazer na Irlanda para ser nutricionista? Um curso de 13 meses de 2 a 4 vezes por semana. Sabe o que é necessário para você ser treinador de corrida habilitado no Reino Unido, uma potência nesse esporte? Segure-se: ser maior de 18 anos e ter feito um curso de CINCO DIAS.

Dias atrás falei de como o coordenador de um curso dizia que treinar com um treinador é fundamental e arriscar fazê-lo era perigoso. Navegue em qualquer seção de nutrição de revista de corrida e a frase só muda o sujeito, ainda que os profissionais convidados não respeitem a fisiologia e preguem bobagens como balanço calórico ou “carboidratos essenciais”. Justamente por isso que reforço que o perigoso é IR ao nutricionista.

A cultura da corrida no Brasil mostra um lado perverso, demonstra a visão de uma sociedade que na base da lei precisa do papai-estado e de um especialista para cuidar de nós no melhor estilo “mamãe, posso ir?” assumindo as rédeas, tomando o cargo de decidir por nós justamente, preciso reforçar, no esporte mais básico que existe. E aí quando algo de muito errado acontece (uma morte em prova, por exemplo), volta com mais força o discurso apressado de que é preciso ainda mais controle, ainda que não haja prova NENHUMA de que ele seja benéfico, se ele sequer se pague ou que não seja contraproducente, como provavelmente deve ser. Basta um acidente vascular de alguém praticando atividade física que alguns médicos interessados em ganhar cliente na canetada (leia: obrigatoriedade de exame clínicos) venham falar sobre o Risco da Atividade Física, algo que nunca estudaram a fundo.

rubber stamps marked with regulations and rules

Veja bem, exigir que tenhamos Treinador (formado, habilitado, blablabla….) e/ou exames médicos obrigatórios parte da premissa de que a CHANCE de algo indesejado acontecer é mais grave do que a ocorrência em sua essência. Não! Não é! E achar isso já é por si só um absurdo e a ignorância no raciocínio por parte das categorias!

Ficar pregando CREFs, cursos, especializações e eletrocardiograma ANTES do exercício é achar que há uma entidade, no caso capitaneada pelo estado, que possa (e consiga!) cuidar de todos nós. Seria como deixar para um órgão improdutivo, incompetente e inútil como o CREF cuidar da decisão de analisar quem pode nos dar treinos. Não é sobre controlar, naquilo que o estado e o CREF se mostram incapazes, mas sobre punir quando necessário, em uma tarefa que o estado também não consegue fazer de maneira adequada. Então que ao menos ele (e o CREF!) saiam da frente não sendo obstáculos a quem quer um estilo de vida mais saudável.

Médicos e Treinadores NUNCA provaram que são fundamentais (ou mesmo efetivos!) para reduzir nosso risco, mas querem, SEM NENHUMA prova, que paguemos sem a menor certeza de um resultado prático favorável. Eles querem remuneração para exercer o papel de Incompetente do Bem.

Acontece que correr é uma atividade normal que como qualquer outra envolve riscos e que pode sair do controle machucando ou mesmo – toc toc toc – matando. E essa realidade enche os olhos de quem quer legislar em causa própria, ou seja, fazendo reserva de mercado e podendo cobrar mais pelo seu produto que só ele poderá vender, ainda que não consiga demonstrar que faz de maneira mais segura do que seria sem uma regulamentação.

ESSA é uma enorme diferença entre o Brasil e o mercado americano e europeu. Aqui, o treinador não precisa de formação “elaborada”, a categoria não tem como interferir na decisão individual de seu próprio cliente. É por isso também que com um curso de 5 dias você sai orientando muita gente. Porque aqui acham que 5 anos não são necessários e acham que é menos coisa para se preocupar. E não atrapalham assim quem quer apenas correr.

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Um pensamento sobre “O que a Irlanda me ensinou 2. Ou: por que 4 anos para correr??

  1. Lembra a frase atribuída ao Einstein: “Insanidade é fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. O que você observa (corretamente) no mundinho da corrida é o mesmo problema em escala que pode ser observado em qualquer aspecto da vida no Brasil.

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