Mais um pouco sobre o DROP…

*Esses sapatos parecem confortáveis.

Aposto que com eles você anda o dia todo e não sente nada.

Eu queria ter sapatos assim.

Meus pés doem.

Mamãe dizia que dá para saber muito sobre alguém pelos sapatos.

Para onde ela vai, onde ela esteve…

Já usei muitos sapatos.

(Forrest Gump)

Semana passada resolvi divagar um pouco sobre o drop dos tênis. Na verdade, fiz o texto depois de falar um pouco em duas partes sobre o ótimo Tread Lightly (aqui e aqui). O drop, a espessura (que atua indiretamente e decisivamente no peso) e a capacidade do tênis se articular, parecem ter isoladamente muito mais importância na “qualidade” de um tênis do que outro marcador que recebe muito mais atenção: as estruturas amortecedoras.

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Às vezes acho que profissionais da saúde tratam o corredor como trataria Homer Simpson…

Como disse a ótima Raquel Castanharo em recente matéria sobre pisos de corrida, “existe uma ideia de que um tênis com muito amortecimento e muita tecnologia vai proteger a pessoa do impacto, isso não é verdade. O tênis gera uma sensação de conforto, certa maciez na pisada, mas o impacto continua ali”. Mas não adianta, tecnologia encanta até quem deveria entender do riscado, mas que não se importa antes de falar bobagem. Não adiantou a Castanharo tecer a frase, linhas depois, uma médica disse a barbeiragem que “o atleta deve priorizar os calçados com melhor sistema de amortecimento (…, que) é importante investir nas palmilhas”.

É peculiar esse raciocínio. Vou ignorar a parte da palmilha porque isso é muita tara dessa gente, vou direto ao cerne: um dos maiores argumentos contra calçados estruturados é que eles geram conforto (maciez) e deixam a corrida mais “passiva”. Ou seja, você deixa para o que você calça fazer um serviço que deveria ser seu (técnica de corrida, mais musculaturas e tendões aptos a trabalhar com a carga da sua atividade): o de sustentar a carga mecânica da corrida.

O problema é que ao contrário da crença infundada da médica, o impacto não é uma entidade que você consegue eliminar pagando mais caro na loja. É como se a médica jogasse o lixo dela pela janela em um rio achando que o problema está resolvido porque não está mais na frente dela. Não está! Ela acha que é uma questão de fé. E de preço. Essa lógica faz Newton se remexer no túmulo…

O ponto é que proporcionar maciez e amortecimento são coisas muito desiguais. O Crocs, apesar de cafona e horroroso, é o mais próximo de maciez total que você pode proporcionar aos seus pés, mas não conheço nenhum médico ortopedista que o defenda como calçado especializado. Por quê? Quem está alinhado com o raciocínio da doutora também nem saberia explicar, tamanha a confusão e o contorcionismo lógico que fariam para fundamentar uma prescrição assim.

Continuo. Você pisou com o tênis, não importa quão macio seja, ele NÃO tira o impacto. Pense assim: se você conseguisse tirar o impacto e VIVESSE de vender isso, você seria o PRIMEIRO a demonstrar que DE FATO é capaz de fazer isso.

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E POR QUE DROP?

David Epstein dias atrás disse que não lembrava o nome de um TERCEIRO jogador da NBA que teria altura maior que a envergadura. Todos pensam que ser alto é importante na NBA. Sim, é muito importante. Mas ter envergadura maior que uma grande altura tem uma importância muito maior no potencial atlético do indivíduo. Incrível, né? É como a discussão sonolenta de VO2 máx. Por que essa gente AINDA valoriza ou perde tempo discutindo isso quando a Economia de Corrida é tão mais importante? O que estou dizendo é: essa gente late para a árvore errada ao falar de peso e amortecimento em tênis e ignorar drop e espessura!

Voltando ao drop, um texto incrível do The New York Times fala como um alto drop resultou em uma adaptação prejudicial em mulheres que usam salto alto. Funciona assim: no começo, o alto drop dos sapatos ajudava, depois disso, havia um enfraquecimento muito perigoso na região do tornozelo. Por que em condições não extremas isso não aconteceria conosco?

zero-drop-vs-heeled-shoe-posture-diagramVeja o que está no site brasileiro de uma das maiores fabricantes de tênis de corrida: um “drop” de 4mm (…) incentiva uma corrida mais equilibrada e poderosa. Porém, depois há em outro produto: a plataforma de 4mm continua a promover uma excelente resposta. E encerra com: a grande novidade é que baixamos o drop do (tênis) XXXXXX para 8mm. Ou seja, drop baixo só seria bom quando seu produto tem pouco drop, mas ele também é melhor quando alto, caso o drop do seu produto seja alto.

E veja como está a descrição oficial da “tecnologia” de uma concorrente: (a tecnologia) YYYYYYY é o tipo de construção com um drop baixo, ela facilita uma corrida mais veloz e com maior eficiência. Um destaque justamente na definição do drop quando a própria empresa não oferece nunca essa informação em outros modelos!

O ponto principal do meu texto original, é que:

  1. A informação do drop quase nunca existe;
  2. O drop em si é extremamente subestimado;
  3. Uma vez que a informação existe, ela é muito pouco confiável;
  4. O mercado (empresas e profissionais da saúde) parece simplesmente não fazer ideia da importância do drop.

Minha filosofia, já disse aqui, é que calçados com baixo drop são, sim, melhores. Não tenho medo de tomar posição. Mas eles não servem para todo mundo! Eu tenho preferência por tênis mais “flats” e sempre que digo isso me perguntam o porquê. A pergunta deveria ser outra (e de minha parte ou de quem gosta de calçados planos): por que VOCÊ corre com drop?? Você não vai ter uma resposta muito coerente…

*Those must be comfortable shoes./ I bet you could walk all day in shoes like that and not feel a thing./ I wish I had shoes like that./ My feet hurt./ Mama always said there’s an awful lot you can tell about a person by their shoes./ Where they’re going, where they’ve been./ I’ve worn lots of shoes.

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21 pensamentos sobre “Mais um pouco sobre o DROP…

  1. Nishi disse:

    Só não gostei das ofensas às Crocs.

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  2. Balu e demais colegas bom dia!

    Bom, vou arriscar a minha resposta: atualmente uso um tênis com o drop padrão do mercado (em torno de 12 mm) porque quando usei um tênis com drop mais baixo fiquei com uma dor terrível no segundo dedo do pé, que no meu caso é maior que o dedão (dedo de morton). Voltei ao drop tradicional e não tive mais problema.

    E aí? Tá “coerente” o suficiente? Ou terei que fazer um oferenda no altar da racionalidade científica (rsrsrs).

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  3. adolfont disse:

    Acho que você quis dizer:

    “o impacto não é um ente que você consegue eliminar pagando mais caro na loja.” (fala da médica)

    e não

    “o amortecimento não é um ente que você consegue eliminar pagando mais caro na loja.
    Certo?

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  4. Rafael disse:

    um post sobre VO2Max, seria interessante

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  5. martinhovneto disse:

    Vou citar só um trechinho de um estudo que tem o título de “Incidência e fatores de risco de lesões osteomioarticulares em corredores: um estudo de coorte prospectivo”

    “Além disso, uma recente meta-análise demonstrou que as evidências para a influência de outras variáveis referentes à corrida (tempo de prática de corrida, tipos de terreno e percurso, número de pares e tempo de uso dos calçados esportivos, número de participa-
    ção em eventos e prática de atividades alternativas) na incidência de lesões são muito limitadas (Van Middelkoop et al., 2008)”

    Fonte: http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v24n4/a03v24n4.pdf
    Autores: Paula PILEGGI*
    Bruno GUALANO**
    Maisa SOUZA*
    Valéria de Falco CAPARBO*
    Rosa Maria Rodrigues PEREIRA*
    Ana Lucia de Sá PINTO*
    Fernanda Rodrigues LIMA

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    • Luis Oliveira disse:

      ” Os fatores de risco significantemente associados foram graus de extensão de joelho e flexão plantar diminuídos, frequência cardíaca de repouso menor e velocidade de treino maior.”

      Ou seja, correr rápido quando não se está devidamente treinado para isso é prejudicial. Confere?

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      • Danilo Balu disse:

        Não tem uma pergunta mais fácil, não?

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      • martinhovneto disse:

        Luis, não vi a relação com o preparo físico, mas pode ter me passado. Na Discussão tem isso ó:

        “Há evidências indicando que o aumento do número de dias de treino e da distância percorrida por semana são fatores preditivos para lesões de membro inferior (Satterthwaite, Norton & Larmer, 1999). No entanto, tais associações não foram possíveis de serem testadas no presente estudo, uma vez que não houve diferença significante para essas variáveis entre o período basal e após o seguimento.” (Pág 460, Fl 8, 2 col, par. 2)

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  6. Fabio disse:

    Balu, se o “amortecimento não existe”, se eu usar um Asics Hiperspeed / Piranha ou um tenis com uma sola maior e com o mesmo drop (Ex: um Nike Pegasus modificado e com o mesmo drop do Asics Pianha) o impacto do pé seria o mesmo?

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  7. Marco Antônio de Oliviera disse:

    Alguém sabe qual é o drop do New Balance MT790?

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