OU SOBRE A CIÊNCIA POR TRÁS DA PIRÂMIDE ALIMENTAR
“Diretrizes dietéticas (governamentais) são necessariamente compromissos políticos entre o que a ciência nos diz sobre Nutrição e Saúde e aquilo que é bom para a indústria de alimentos.” Marion Nestle (Food politics: how the food industry influences nutrition and health).
É parte do cenário. Visite um laboratório para crianças, um consultório, uma cozinha escolar e ela estará lá imponente, na parede, quase que um símbolo, um guia: a Pirâmide Alimentar. Ela simboliza aquilo que deveria ser a base de uma dieta saudável de um indivíduo.
Basicamente você deve “lê-la” assim. Em sua base (grande) temos o que deveríamos comer em maior quantidade: mais porções de carboidratos (pães, arroz, massa, cereais). Subindo, comer pequenas quantidades de gordura e os doces, próximos ao vértice/pico. No meio termo ficam frutas, verduras, carnes (sempre magras!), ovos e leite/laticínios. Acredito que assim como eu quando estudei na faculdade de Nutrição, você também a imaginava como resultado de uma construção cuidadosa, desenhada em cima de décadas de pesquisa e experimentos rigorosamente bem feitos e controlados. Sendo assim, ela deveria ser um norte quase inquestionável, certo?
Porém, a Pirâmide Alimentar é uma criação basicamente e puramente política e ideológica feita por pessoas sem passado, formação, especialização ou carreira na área da saúde. Vamos ver como ela surgiu.
Em 1968 e ainda então membro do Comitê da Agricultura, George McGovern assistiu ao documentário da CBS Hunger in America. O político foi sensivelmente tocado ao saber que a fome ainda era uma realidade de parte da população do país de economia mais robusta do mundo ao assistir a uma criança morrer em frente às câmeras do programa da TV. A pequena criança americana não tinha condições financeiras nem merenda gratuita para ter o que comer na escola. O político se viu no mesmo instante disposto a já no dia seguinte ir ao seu gabinete para fazer algo urgente contra isso. Meses depois ele seria nomeado o chefe do Senate Select Committee on Nutrition and Human Needs. É aí que começa!
Em 1969 o senador liderava o comitê com o objetivo de erradicar a má nutrição nos EUA e mirando ainda reduzir o consumo de gordura para reduzir o risco cardíaco. Terminado esse trabalho, a partir de 1976 um membro do comitê, o jornalista Nick Mottern, recebeu a tarefa de escrever um guia com diretrizes nutricionais. Mottern, que não tinha nenhuma formação científica e nenhuma experiência em escrever sobre nutrição ou saúde, acreditava que suas diretrizes dietéticas iriam produzir uma revolução na dieta e agricultura do país. Pois foi o que aconteceu ao adotar a ideia da gordura como o principal vilão da dieta, ignorando as controvérsias científicas em torno de uma tese que não havia ainda sido devidamente testada.
E assim, em 14 de janeiro de 1977, foi publicado o Dietary Goals for the United States, um documento visando reverter um quadro de epidemia de doenças do coração nos EUA e que acabou por regular fortemente o que comemos até hoje. A recomendação principal era a de cortar a ingestão de gordura para 30% do total de calorias consumidas e a de gordura saturada para 10%. A gordura foi comparada ao cigarro e a indústria de carnes e ovos foi acusada de se comportar como a indústria tabagista, vendendo produtos nocivos somente para obter lucros. Muitos cientistas e entidades protestaram contra as diretrizes. Mas, em geral, eram acusados de estarem trabalhando em favor da indústria.
As diretrizes poderiam ter sido esquecidas com o encerramento do comitê de McGovern no final de 1977. Mas duas agências federais levaram a questão adiante. A primeira foi a USDA (United States Departament of Agriculture) na pessoa de Carol Tucker Foreman, secretária assistente do USDA que, impressionada com o primeiro relatório, consultou a NAS (National Academy of Science) a respeito das diretrizes. Quando seu presidente Philip Handler disse-lhe que elas não faziam sentido e não tinham base científica, ela ignorou e procurou alguém com opinião contrária. Consultou os antigos membros do comitê McGovern que indicaram Mark Hegsted, da Harvard Scholl of Public Health, um entusiasta das diretrizes que foi contratado por ela para desenhar as diretrizes nutricionais do país.
O resultado foi a publicação em fevereiro de 1980 do Dietary Guidelines for Americans, quase idêntico às diretrizes de 1977. Ou seja, incluindo a orientação para se comer menos gordura. Novamente houve reações, mas dessa vez a imprensa (The Washington Post e The New York Times) saiu em defesa do novo paradigma.
Assim, estava formado o consenso. E em 1992 com base nessas diretrizes o USDA criou a conhecida pirâmide alimentar que você conhece, recomendando pouca gordura e muito carboidrato. Nas palavras de Gary Taubes “na história da convicção nacional de que a gordura na dieta é mortal, e a sua evolução de hipótese a dogma, políticos, burocratas, a mídia e o público desempenharam um papel muito maior do que o dos cientistas e da ciência”.
E um relatório da National Academy of Sciences feito em uma conferência após o lançamento das diretrizes americanas dizia “não haver dúvidas de que seguir uma dieta de baixa gordura iria trazer proteção significativa contra doenças do coração” para qualquer americano acima dos 2 anos de idade. Não demorou assim para que a American Cancer Society recomendasse a dieta de baixa gordura para prevenir – adivinhe só – câncer. Mas quando as teorias começaram a serem testadas depois das recomendações, o que é muito grave, as evidências não as corroboravam.
Assim sendo, baseado em alguns estudos mal conduzidos e por decisões políticas enviesadas, a dieta com restrição de consumo de gorduras saturada foi recomendada para todo o público americano em 19771 e isso serviu de base para tudo dali em diante no que culminaria na pirâmide em 1992. O problema é que não havia estudos feitos com esta nova dieta que estava agora sendo recomendada a toda uma população. Ou seja, a população dos EUA se tornava assim participante do maior experimento não-controlado da história da Nutrição.
E na 2a feira, no penúltimo texto da série eu mostro o que acontece quando o nutricionista faz o extremo e aplica esses princípios tambem na doença, no caso, a diabetes.
* não acredite em mim! Se há interesse na “ciência” por trás dessas diretrizes, sugiro a obra Good Calories, Bad Calories de Gary Taubes (há um capítulo só sobre isso), Death by Food Pyramid da Denise Minger (muito material sobre o tema) e o Salt Sugar Fat de Michael Moss (assista com uma dose de otimismozol do seu lado porque o pessimismo é inerente à leitura dessa obra). Novamente os nutricionistas dirão que Taubes e Moss não fizeram 4-5 anos de Nutrição para ter direito de mostrar o óbvio: que não há ciência nessas diretrizes. Mas não dirão nada sobre o fato de 3 obras indispensáveis à graduação não estarem em nenhuma biblioteca dos cursos brasileiros.
Recebi essa piramide alimentar da nutricionista
é bem diferente, a base é Alimentos Integrais e Óleos Vegetais
proposta por Walter c Willett((Harvard).
perdi 20 kg com uma dieta baseada nesta piramide alimentar.
Agora parti para a low-carb, pq quero perder mais 4 kg, vamos ver.
http://www.fitnessintraining.com/harvardfoodpyramid.htm
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profissional de saúde deveria ter vergonha de colocar óleo vegetal em base de pirâmide alimentar….. Um produto inventado em 1908 que era 0% das calorias e hj são 8%…
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Opa!!! Mais ou menos, azeite existe há séculos…
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Sim, vc está certo! Mas o azeite não é poliinsaturado (ômega 6) como os óleos comerciais de supermercado, é monosaturado, justamente por isso ele é bom.
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Para constar ela indicou apenas azeite de oliva.
A grande diferença até agora entre a low carb e a antiga é que não sinto fome e nem vontade de comer doce.
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Balu, vou contratar um nutricionista para ficar te acossando aqui. Pq qto mais reclamam mais o nível sobe. kkkkkkkkk
Brincadeiras a parte,ótimo texto!
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Gosto da alimentação Paleo. Parece-me bem razoável e adequada para mim. Tendo adotar o quanto possível. LCHF mesmo acho que não dá para mim, talvez um dia, por um tempo. Também acho legal a ideia de comer o que tiver com vontade. Entendo que uma educação alimentar leva a isso. Por exemplo, hoje tenho pouca vontade de comer doce e se comer muito passo mal, mas também algumas vezes estou com vontade e como. Não bebo muito, mas a cerveja com as amigos sempre acontece, o que acho saudável. Conheço pessoas que não têm muito prazer em comer. Tem a mãe de uma amiga minha que é assim, ela diz que o melhor café da manhã são ovos. Isso sustenta ela muito tempo e ela não fica na obrigação de ficar comendo. kkkk Ela parece ter a idade das filhas dela.
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eu como 3 pela manhã (com Requeijão, mussarela e bacon)… Senão fico de jejum. Mas tem nutricionista que fala que não é bom… Preciso rever tudo rsrs
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18hs de jejum e 3hs de tênis. É possível! Mas creio q o corpo tem que estar acostumado a usar gordura /corpos cetônicos como fonte de energia. Alguém que leve uma alimentação tradicional não consegue treinar em jejum, estou certo?
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Bom, se no texto que detonou a controvérsia apareceu um monte de gente para xingar e ameaçar agora não tem ninguém que defenda e linha tradicional de nutrição para travar um debate em alto nível. Pena.
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Essa é a parte mais decepcionante, sério…. Qdo vc perde um debate, na verdade vc ganha. Mas ninguém argumenta nada…
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Balu, Eu vi uma discussão muito legal no inicio de tudo isso, lá nos comentários do blog corrida no ar, peneirando alguns idiotas que agem como como a “Lady” dos comentários da parte 7, temos algumas discussões boas (Estevao Jorge e João Gabriel), lamentáveis foram as participações do Gustavo “eu sou o foda” e do Reinaldo “Sardinha”.
Já são 237 comentários até agora…
http://corridanoar.com.br/index.php/colunas/blog-recorrido/item/1659-dica-de-corrida-do-dia-jamais-va-a-um-nutricionista.html
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Parece que suas palavras têm eco, Balu. Cheguei a esse texto do Aaron E. Carroll, do New York Times: http://www.nytimes.com/2015/02/24/upshot/behind-new-dietary-guidelines-better-science.html?rref=health&module=Ribbon&version=origin®ion=Header&action=click&contentCollection=Health&pgtype=Blogs&abt=0002&abg=0.
Super recente! E super pertinente essa sua série de textos.
Será que os Nutricionistas vão querer processar o NY Times?
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Eu vi esse outro ontem (recomendado por uma nutricionista ) :
http://well.blogs.nytimes.com/2015/02/25/should-athletes-eat-fat-or-carbs/
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Me passou uma questão…não sei se procede. A base da alimentação hoje é principalmente trigo, grãos….carbo em geral. Isto é, uma alimentação barata. Fico imaginando se realmente tivéssemos como alimentação muito menos carbo e mais proteína e gordura, se não tivéssemos nunca seguido essa pirâmide. A população provavelmente seria menos obesa, mais saudável, mas a pergunta é, seria muito mais caro alimentar a todos não? Ou conseguiríamos produzir fontes de proteína e gordura em maior quantidade e mais baratas?
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Sobre a alimentação ser mais cara. Creio que há 2 pontos.
Primeiro: há alternativas baratas sim, pensando no nível individual. Mudei minha alimentação há 1 ano e meio e não estou gastando mais com isso (cereais matinais, pães mil grãos, refrigerantes, sucos de caixinha são MUITO caros, principalmente se compararmos com o que eles entregam de benefício) e você pode selecionar as proteínas que come. Exemplo: tem gente que vai direto pro mignon. Precisa? Não! E se você usar carne moída de acém às vezes? É de 2a, tem muito mais gordura que os cortes mais valorizados e é BEM mais barata. Peixes, não precisa ser salmão. Verduras e legumes, na feira se encontra bem barato. E assim por diante.
Sobre conseguir alimentar a população mundial aqui vai meu achismo: pra quase tudo tem solução nessa vida. O que precisamos é incentivos para se investir na busca de soluções. Hoje, este incentivo é zero, pois temos alternativas de larga escala hiper-mega-baratas.
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Mas o custo “biológico” de produzir gordura animal (consumo de proteína pouco) é maior do que o de açúcar. Hj me parece inviável.
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Se HOJE a população decidir ser low-carb, não há comida para uma BOA parte da população.
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Valeu Ângelo Caixeta pelo link do NY Times! Tem tudo a ver com esta sequência sensacional de posts do Balu e através dele cheguei a uma revisão sistemática demonstrando que as recomendações dietéticas do low-fat não foram baseadas em ensaios clínicos randomizados.
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Balu, como leitor número 1 do teu blog que acompanhou essa “saga” de nutrição apenas observando, tenho que dizer… você é um herói. Obrigado!
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Balu, sobre carboidratos x atletas:
O que vc me diz dos fundistas africanos, notadamente os etíopes e quenianos, inclusive os quenianos que moram no Brasil, eles correm muito, não pesam quase nada, homens perto dos 50 kg, e ao que consta a comida preferida e quase única deles é carboidrato, acho que um tipo de tubérculo.
Explica aí…
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Um dia com calma…. Estou fora…
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Balu, gostaria de saber sua opinião sobre o guia de alimentação da escola de saúde pública de Harvard.
http://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-eating-plate/
Abraço
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Vejo na volta da minha viagem… Abrax!
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[…] carboidrato. Continuei mostrando a fraqueza de nossa abordagem com o consumo de sal, passando pela construção de caráter completamente político e econômico da pirâmide alimentar terminando com uma lógica torta na abordagem de tratamento de uma das doenças mais sérias que […]
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