De vinhos, tênis bons, teste-cego e nosso discernimento.

Um dos temas mais interessantes na Economia Comportamental é aquela que revela que não importa o quão especialista nos julguemos, a absoluta maioria de nós não sobrevive a um mísero teste cego. Meses atrás fui convidado a palestrar a um grupo de 6 empresários em um dos restaurantes mais chiques de SP. Na mesa que me ouvia, a renda combinada (deles!) era provavelmente superior ao PIB do Uruguai. Durante a reunião trouxeram vinhos (caros!) e fizemos um teste cego. Entendo tanto de vinho quanto de injeção eletrônica de discos voadores. Mas também entendo muito de uma coisa: vinho passa a ser bom quando quem toma sabe de antemão o alto preço dele. Ao final da reunião… bingo! Fiquei na média (acho que 3º entre os 7)!

Das vezes que escrevi sobre precificação de tênis (aqui, aqui e aqui) sempre ouvia algo como “a indústria brasileira é má, pratica preços exorbitantes, abusivos, se barateassem, venderiam e lucrariam muito mais”. Como não trabalho com definição e política de preços, me sinto livre pra dizer: se baratearem, acho que o faturamento cai e a percepção de qualidade cai junto. Por quê? Há uma enorme sensação no corredor brasileiro de que qualidade vem necessariamente com preço.

blindtasteEstou falando isso após ler um texto bacana da The New Yorker que fala algo meio óbvio hoje: quando bebemos vinho, nossa experiência é maior do que apenas com a bebida. E tenho plena certeza de que com tênis de corrida há algo de muito parecido. Tire o pacote de cores, nomes rebuscados de tecnologia e deixe tudo liso, sem a marca, e você tira o norte do corredor. Disse uma vez a um conhecido, apostaria todas as minhas fichas que corredores não sobreviveriam a um teste cego de calçado. O que ele compra e escolhe é uma enorme parte da experiência.

Digo mais, o corredor que fala pra todo mundo que compra tênis no exterior por ser mais barato não o faz por economia. Na ponta do lápis ele gasta muito mais com gastos mais “burros” aqui no Brasil. A vantagem e o benefício que ele tem ao comprar nos EUA é a sensação de passar a perna no sistema, de adquirir algo que é caro aqui por preço bem menor, lá fora, porque se aqui também fosse barato, não seria bom ou especial e aí ele partiria para outros modelos que não existem em nosso mercado. Duvida? Eu não duvidaria.

Inúmeros experimentos provam que ao aumentar o preço, achamos o vinho melhor. Dê um nome francês a uma ração de cachorro e ela fica com gosto de um patê. Coloque a imagem dos Alpes no rótulo e a água mineral melhora. Dê um nome pomposo a um prato e o restaurante melhora. Apresentação é tudo o que cerca o produto. É tudo! E como padecemos de enorme autoconfiança achamos tolamente que conseguimos anular todas essas estratégias para eleger o que é realmente melhor do ponto de vista técnico.

taste-test-iStockNão vou esquecer de um dia do Revezamento Nike 600, um pangaré de uma assessoria carioca detectou em 2-3 minutos num tênis algo que eu nunca consegui ver minha vida inteira de corredor. Se até violinistas profissionais não conseguiram identificar o som de um Stradivarius, corredor conseguiria saber qual tênis é melhor? É muita confiança, é muita pretensão. Por isso que sempre olho com certo ar de consolo quando ouço corredor vir confirmar que “só usa tênis da marca X”. Só corredor pangaré amador é tão fiel assim a uma marca. Ninguém mais.

Etiquetado , , ,

29 pensamentos sobre “De vinhos, tênis bons, teste-cego e nosso discernimento.

  1. Hélio Shiino disse:

    – Há uma enorme sensação no corredor brasileiro de que qualidade vem necessariamente com preço. –

    Ficamos perplexos tamanha a capacidade do ser humano de se auto-subestimar!

    Se dois atletas se encontram, imediatamente, ambos visualizam o calçado de corrida que o outro está usando para tentar “identificar se é um bom corredor”…

    Na fotografia não é diferente. O tamanho e a marca da objetiva “acusa” ser um fotógrafo (hã-hã) “profissional” ou não. Um bam-bam-bam da arte da fotografia…

    Mas ao saborear um prato servido no restaurante, você pergunta ao chef de cozinha qual o modelo e a marca da panela que foi feito aquele prato para justificar a excelência???

    O Enigma da Mente Humana!

    Mas enfim…

    Curtir

    • Julio Cesar Kujavski disse:

      Ah.. mas se a panela for Le Creuset a comida vai ficar muito mais gostosa.. rsrs…

      Curtir

      • Hélio Shiino disse:

        Julio Cesar, a sua colocação é inteiramente pertinente ao contexto. (risos)
        Quando falamos em moda e gastronomia, remetemos a França!
        Pronto! Panela de nome francês… não sei como é tão pouco nunca vi, mas se tem nome francês, “deve” resultar em uma comida espetacular!!! (risos) O camarada que segura a panela e que adiciona os ingredientes é um mero detalhe irrelevante… (risos)

        Agora falando sério. Precisamos, constantemente, de um senso crítico para não sermos incluídos em mais um dentro das estatísticas. Iluminai-vos!

        Curtir

  2. “- Há uma enorme sensação no corredor brasileiro de que qualidade vem necessariamente com preço. -”

    A pergunta que não quer calar é porque o consumidor brasileiro é tão diferente do americano nesse ponto.

    Curtir

  3. Hélio Shiino disse:

    – Digo mais, o corredor que fala pra todo mundo que compra tênis no exterior por ser mais barato não o faz por economia. –

    Ainda tem aquela questão do “Eu tenho e você não teeem…”
    Geralmente os lançamentos só chegarão aqui no Brasil 1 ano depois. Imagine, você estar calçando e desfilando com aquela última versão nas “passarelas” tupiniquins…
    Não é para qualquer um, não é mesmo???

    E se for de uma marca ou modelo que não é vendido aqui no Brasil, melhor ainda…

    O Enigma da Mente Humana! (A Saga Continua)

    Mas enfim…

    Curtir

  4. Julio Cesar Kujavski disse:

    Não consigo gostar de vinho, juro que já tentei várias vezes. Nem os baratos nem os caros me caem bem. Gosto de espumantes. E de cerveja. Agora estou metido e só compro aquelas cervejas caras nas sessões de importados do supermercado.. rsrs.. se é mais caro deve ser melhor.

    Curtir

  5. Mauro Leão disse:

    Concordo totalmente com texto. Sou pangaré com bom tempo de rodagem, 11 maratonas, aí os amigos acham que sou especialista em corrida e equipamentos… Sempre me perguntam qual melhor tênis. Respondo “o que seu pé gostar mais”, normalmente não gostam da resposta, aí retrucam “Qual vc gosta mais?”. “Depende do treino que vou fazer” rs Aí acham que estou sendo irônico ou grosseiro. Alguém aqui recomenda o Olympikus Rio? Preço muito bom, mas como só acho pela internet nunca pus nos pés… Valeu! Domingão vamos com pneus de chuva no Rio…

    Curtir

    • Julio Cesar Kujavski disse:

      Já usei o Olimpikus Rio. Achei um tênis bem estruturado, forte, bom para treinos, relativamente leve, porém um pouco duro. Com o passar do tempo ele vai ficando ainda mais duro. Não é um grande problema pra quem não faz questão de amortecimento. Preciso aposentar um nike de treino que está me causando dores na bunda.. rsrs.. e talvez compre o Olimpikus Rio novamente.

      Curtir

  6. Ana Minarelli disse:

    Então gostei do texto e concordo em vários pontos, só em relação a compra de tênis no exterior que tenho uma ressalva, não dá prá generalizar… sou pangaré e depois de uma fascite plantar, por indicação de fisioterapeuta, mudei de tênis e me adaptei com uma marca que considero cara e quando algum amigo vai ao exterior, eu compro e peço para entregar no hotel e ele trás… eu e vários amigos pangarés fazemos isso por economia mesmo, não por vaidade… É menos da metade do preço e quando achamos ofertas, pois mudou a coleção, ainda mais barato e nós só queremos correr se sentir dor e sem desconforto, só isso! E vamos correr no Rio com chuva!

    Curtir

    • Danilo Balu disse:

      Um dia queria ouvir do seu Fisioterapeuta o que ele acha que um determinado tênis pode fazer para tratar uma fascite plantar… é mta fé! Não acha?

      Curtir

      • Ana Minarelli disse:

        Então Balu eu tratei a fascite por longos 4 meses e o ortopedista pediu uma avaliação de pisada e nessas, eu descobri que “sou muito supinada”… não foi o tênis que tratou… foi parar de correr e tratar… o fisio sugeriu 2 modelos de tênis para a minha pisada e deu certo… tentei, claro, mudar de marca e modelo, mas eu voltava a sentir incômodo… Agora o ponto não é esse, o ponto é generalizar o(s) motivo(s) de comprar fora… ainda acredito que o fator econômico é soberano! Abs!

        Curtir

  7. Maria Luiza disse:

    Danilo, concordo com os seus vários pontos de vista sustentados no artigo. Porém, ñ acho que os brasileiros compram tênis no exterior por qualquer outro motivo que ñ seja fugir dos preços surreais que só no Brasil se encontram… E digo isso nem tanto em razão do “lucro ganancioso” perseguido pelas marcas, mas sim, pela política tributária imposta pelo governo, e por todas as demais barreiras e dificuldades que se impõem ao empresariado, principalmente, quando se trata de empresas estrangeiras…. Agora, acho que você vê a questão de um outro angulo pois tem interesse direto que o consumo de tênis no mercado interno se aqueça e fique em alta. Peraí, logo você que sempre repudiou aqueles que defendem uma ideia, quando na verdade são movidos por questões unicamente financeiras??

    Curtir

    • Danilo Balu disse:

      Mas eu ACHAR que as pessoas compram fora por motivos que são mto financeiros e mto mais irracionais não interfere em absolutamente nada na lógica do mercado interno. Por mim as leis deveriam ser abertas e a pessoa poder comprar tênis americano pela Amazon ou o E-Bay como faz com livros… não dou a mínima… Mas quem fala mto dessa lógica irracional na busca por melhores preços, Dan Ariely e Tim Harford são os 2 melhores exemplos que me veem à cabeça no momento, fala com fundamento. Fazemos pouquíssimas economia gdes, e fazemos inúmeros gastos/desperdícios pequenos. Desonesto intelectual seria eu dizer que acho que o governo deveria fazer melhor tal controle de importação qdo na verdade não estou nem aí pra política tributária ou alfandegária. Cada um compre onde quiser! Zero interesse!

      Curtir

  8. Adriana Piza disse:

    Quanto ao vinho, que graça teria se nada externamente tivesse alguma influência??? O vinho em si é o de menos! Vale mais tudo que está em volta….o ambiente, as pessoas, a comida, a garrafa…
    Estamos sempre tentando justificar nossas escolhas de maneira racional, mas as justificativas nunca são o motivo ou razão pelas quais fizemos a escolha. Escolhemos um par de tênis sob influência de inúmeros fatores: Cor (conheço quem compra para combinar com a cor da assessoria…), moda, beleza, lançamento etc. Bom, é por isso que existe toda essa variedade e tantos lançamentos. Em seguida, tentamos justificar a compra dizendo que era o único que não machucava, tinha o amortecimento que o médico recomendou, era para pronador….

    Já tentou comprar ração de gato?? Hoje pode ser uma tarefa complicada….dá para escolher entre aquelas para gatos de pelo longo com mais de 7 anos castrados que vivem em ambientes internos……gatos até 2 anos, pelo curto, fêmeas e por aí vai todas as combinações possíveis! Alguém acredita que as rações devam ser tão diferentes para cada uma das combinações????

    Agora o mais curioso de tudo é acharmos que não somos influenciados por nada disso, que estamos fazendo decisões e escolhas racionais somente, sem influência nenhuma! Nunca estamos!

    Curtir

  9. Nishi disse:

    Putz, eu deve ser um pão-duro do cacete… só compro tênis em promoção (isso se eu não os ganho), um dos critérios fortes de escolha de vinho é o preço… talvez isso ocorra porque eu já seja meio cego, então blind test comigo é uma constante.

    Curtir

    • Hélio Shiino disse:

      Ricardo, eu nem o vejo como pão-duro. Comprar em promoção é valorizar o dinheiro. Ganhar é ter recebido como presente.

      Ser pão-duro mesmo é você soltar de jeito nenhum o dinheiro em troca de consumo alheio.

      Pão-duro e Cara-de-pau, tudo junto e misturado. Por exemplo:
      O camarada vai cedinho ao Mercado Municipal aí de São Paulo (Muita inveja dos paulistanos porque aqui no Rio tinha um Mercado Municipal que foi colocado abaixo para a elevação da perimetral, e que por ironia, agora a perimetral foi colocada abaixo para a revitalização do Porto Maravilha. Mas enfim…) e sai filando todas as degustações possíveis e impossíveis, todo o santo dia, fazendo o seu café da manhã por 0800. E no horário do almoço, vai a um grande supermercado e vai filando degustações de sucos, pãezinhos etc fazendo o seu almoço, novamente, por 0800.

      No mundo da corrida, acho difícil ter o cenário de pão-durice até mesmo porque os materiais tem um preço significativo que não se adequa a sua distribuição gratuita.

      O que pode ocorrer é o camarada ser bem relacionado com as marcas esportivas e receber, de tempos em tempos, agrados para que você “deguste” e fale as características e vantagens do seu uso para os seus conhecidos.
      Um verdadeiro sommelier de calçados de corrida, camisetas, bonés, mochilas de hidratação, GPS, óculos, meias de compressão, gel entre outros.
      Digamos que você seria o outdoor móvel.

      Curtir

  10. Gustavo disse:

    Já vi muita gente usar o Mizuno Prophecy que custa R$999,00 pra fazer caminhada.

    Curtir

  11. Shigueo disse:

    Da próxima vez que for comprar um par de tênis, vou conversar com o vendedor sobre o tema. No meu caso, pesa muito a preguiça. Pra que ficar experimentando outras marcas se a que eu uso hj me atende bem?

    Curtir

  12. Joao Fernandez disse:

    Grande Texto Balu! Aqui pela España, principalmente na Galicia, terra de bons vinhos e corredores, a regra não funciona de maneira similar. Acho que o incentivo social de “ser diferente” (melhor) pelo preço ou usar um modelo de lançamento, explica grande parte do tema!
    Por outro lado, tanto os vinhos como os tenis, tem que ser provados e consumidos por um periodo de tempo, para que a base de comparação possa ter sentido e isso, só com muitos Kms e muitas garrafas de vinho no currículo, é possivel.
    Aqui na Galicia eles tem as duas coisas e os preços permitem que se possa consumir o suficiente, sabendo que o que paga mais tem poucas “vantagens”.

    Curtir

  13. […] última vez que falei sobre precificação aqui no blog, como sempre o assunto gerou discussão. Dias depois cheguei a esse texto que é sintomático ao […]

    Curtir

  14. martinhovneto disse:

    Sobre a pão durice dos tênis, acho que temos que ser pão duros mesmo, o mercado só pratica preços exorbitantes quando tem demanda para isso. Olha só o exemplo, eu só compro tênis de coleção passada em uma loja aqui em minha cidade que tem um “queima” de estoque que lhe dá 50% de desconto. Por exemplo, comprei um mizuno sayonara por 199. Fora isso meu amigo, não compro tênis, e não tou nem aí pra coleção rsrsrs. Eu não entendo um tênis de 999 para um amador assim como não entendo um freio de cerâmica em um wv up!, e isso considerando que esse tênis tenha esse preço por conta de material e tenologia, mas aí voltamos para o mistério do mercado onde eu acho que preço tem sempre a tal da “colocação de mercado” do produto.

    Curtir

  15. […] p.s.: um bom tempo atrás escrevi uma série nesse tema…. […]

    Curtir

Duvido você deixar um comentário...

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.