Semana passada um grande amigo, profissional da área, me incomodou com a afirmação de que “brasileiros deveriam aprender com os organizadores da Maratona de Boston”, pois lá os números de peito são intransferíveis, você não pode correr com o de outro inscrito. Ainda estou me perguntando qual seria o enorme benefício de algo assim aplicado ao brasileiro, famoso por deixar tudo para última hora? Eles têm enorme interesse nisso, seja por questões de segurança, seja porque você teria a chance de negociar uma propriedade alheia (leia-se: leilão de vagas no mercado paralelo). Pois é… não é somente bom mocismo, não se enganem.
Como “organizador” trabalhei na Iguana Sports em 2 dos melhores eventos de corrida do país: o Nike 600 e a Vênus (corrida feminina). E arrisco repetindo o que já disse N vezes: não há país no mundo que organize esse tipo de prova melhor do que o Brasil. Nem Alemanha, Reino Unido ou EUA. O mercado brasileiro tem suas particularidades, uma delas é o de tratar o corredor como um cliente muito exigente com a corrida como produto de consumo. Não ligamos tanto para o caráter técnico, cuidamos mais do lado social de uma corrida. Obviamente que estou generalizando, mas é assim em muitos dos eventos maiores.
Nós corredores brasileiros aprendemos a fazer e correr provas até os 21km, mas ainda capengamos nos 42km. Pegar um ponto fora da reta (Boston e NY) é uma generalização desonesta porque compara o vértice da pirâmide das provas mundiais com a nossa média. Tenho certa preguiça de argumentar com quem louva a organização da Maratona de Nova Iorque, por exemplo, “esquecendo” que você paga U$500 dólares de inscrição, ou santifica a de Boston (água em copo e sem gelo) e depois reclama quando não dão água em copo fechado e gelado na sua mão quando corre uma prova pela qual pagou R$60.
EUA fazem as melhores grandes maratonas do mundo. Equipará-las às “provas brasileiras” é uma análise muito torta. Vou seguir com o ótimo raciocínio de um amigo que já correu incontáveis maratonas nos EUA, inclusive uns bate-sacos constrangedores por lá: se você só correu major no exterior, você nunca correu no exterior.
Um discreto off-topic com tamanho de fonte: 3, com tom de cinza: 5% e lá no canto direito do rodapé…
Já que foi citado “números de peito” no primeiro parágrafo… é curioso a tradução/interpretação que a corrida de rua no Brasil fez para o termo “Race number” utilizado no inglês norte americano.
“Número de peito”
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Como diz um colega meu, temos mente de subdesenvolvido por isto o Brasil é subdesenvolvido. Porque sempre pensamos que foram os anglo-saxões é que inventaram tudo? Não conheço a história mas será que os “race numbers” foram inventados por eles e para a corrida de rua? Muitos esportes usam numeração dos atletas nas provas e o esporte é mais antigo que o império anglo-saxão! Será que traduzimos/interpretamos do inglês? Além disto, mesmo no idioma da rainha, “race number” nem é o principal termo para designar o ornamento usado para identificar o atleta. A palavra principal é “bib”: “bib number”, “race bib” e “racing bib” por exemplo. “Bib” é babador, então ao pé da letra “babador de corrida”. “Number” nem faz jus ao ornamento pois em muitas provas, mesmo em pista, os atletas principais são identificados com um “bib” com seu nome e não o número. (BOLT, HAILE, DOS SANTOS).
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Interessante esta análise e concordo com isso, não pode-se extrapolar a realidade de um mercado em outro que é muito diferente.
Conheci o blog recentemente, parabéns pelas matérias.
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Também sempre falei isso. Pagam mais de R$ 500,00 pra correr lá fora e elogiam tudo, desde a fila pra retirar o kit até a água de torneira em copo aberto. Aqui pagam R$ 70,00 (reclamando), ganham camiseta e brindes, e exigem água mineral e Gatorade geladinhos, mix de frutas e massagem na chegada.
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Balu, eu sempre achei que as provas no Brasil, de modo geral, oferecem brindes e mimos demais aos participantes, seja por exigência ou por mal costume dos próprios “clientes”. Aliás, talvez isto ocorra devido à forma como enxergamos essa relação cliente fornecedor nas corridas. Na minha opinião, assim como a escola jamais poderia considerar um aluno como sendo seu cliente, os organizadores de corridas também não deveriam considerar o corredor como um cliente. Ora… clientes são os espectadores! Os corredores são atletas, sujeitos às regras da competição. Ao serem tratados como “clientes”, as regras/fiscalização ficam em último plano. Acaba valendo tudo, desde troca de numeral, chip, até invadir área restrita, desrespeitar staff, cortar caminho, pedir para mudar resultado, e por aí vai. Mas… até aí tudo bem. Eu normalmente não deixo de participar de provas por causa disso.
Mas há uma coisa SERÍSSIMA sobre nossas organizações que poucos reclamam: a falta de divisão da largada em pelotões, conforme o ritmo de cada um. Isto é tão sério que eu, que sou paulistano, não consigo sequer cogitar em participar da maratona de São Paulo, nem da São Silvestre (só para citar dois exemplos). E ainda ouço críticas do tipo… “pô… você corre maratonas em outras cidades, países e não prestigia as corridas da cidade onde mora?” A verdade é que eu adoraria correr essas provas, mas infelizmente não há lugar para eu largar no meu ritmo, o que inviabiliza completamente minha participação. Eu costumo dizer que corredores como eu não são bem vindos nessas provas. Engraçado que em qualquer outro lugar do mundo eu não teria esse problema. Só aqui. E o mais engraçado é que os “clientes” brasileiros reclamam da medalha, da camiseta, da falta de estacionamento, isotônico no percurso… mas não reclamam da falta de vontade em se organizar uma largada que respeite os corredores mais competitivos. Parabéns à Corpore, que sempre se preocupou com isso. Uma pena que eles não organizem nenhuma maratona em São Paulo.
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Cesar, seus comentários são MTO pertinentes! Vou tentar responder em um post específico disso que falou na 3a ou 4a.
Abrax
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Eu quero mesmo é ver se é tão diferente assim nas provas médias ou pequenas americanas.
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Nas médias e pequenas americanas eu não sei. Eu já corri umas provinhas bem pequenas na Europa e muitas vezes nem medalha tem, Adolfo. Mas acho que não é nem tanto céu, nem tanto inferno. Sempre fui a favor de copiar as coisas boas, lógico. Largada por ondas quando a prova exige, por exemplo. Boa distribuição de kits, obediência ao regulamento que a própria organizadora redige… copiar coisa ruim, como preço alto ou copo aberto, tô fora!
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Republicou isso em Meia Maratona em 1h50me comentado:
As reflexões do Danilo Balu sempre valem a leitura.
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[…] leitor Cesar Martins, baita corredor amador, mandou um comentário mais do que pertinente quando falei semana passada sobre a Maratona de Boston e a comparação equivocada com as provas brasileiras. Ele nos relembra daquilo que sabemos: de um modo geral, as provas no […]
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